12 de jan. de 2011

O voluptuoso encontro dos seres libertos...

No primeiro dia do ano, quando me recompôs da tertúlia báquico-poética da noite anterior li um livro, o primeiro livro do ano – um livro de Poesia.


Trata-se do maçã de Adão, o último trabalho poético do meu patrício Vítor Encarnação, residente em Ourique.

Depois do magnífico maturação, publicado em finais de 2008.

Mas sobre este anterior, belo fresco: “viagem em forma de poema pelo universo feminino, desde a puberdade até… ao infinito… Vítor Encarnação (re)afirma-se, com este trabalho, um caso sério da poesia portuguesa. Parabéns.” Escrevíamos no Outono de 2009 na revista Memória Alentejana:



(…) feito de conhecimento e uma capacidade surpreendente do uso da palavra, de cada letra, que nos cria imagens poderosas, (…)a palavra certa, o som certo, o ritmo certo, por vezes vertiginoso. E, se a isso acrescentarmos o universo feminino, a volúpia do desejo, jovem mas esmagador, que deixa os homens boquiabertos, incrédulos na miragem do paraíso em forma de mulher, que, triunfante, passa por eles, encostados às paredes

(…)

Mas ela passa por eles
como uma águia,
alta de mais
para gente de pasto.
A sensualidade
amadurece,
amadurece
e esmaga.
A roupa sublinha o corpo,
cola-se aos movimentos,
fez eco dos contornos,
decalca a carne.
As meias de rede
enredam os homens,
olhos ficam presos nos anzóis
das coxas,
assobios resvalam nas nádegas,
piropos entram-lhe nos ouvidos
como cotonetes de fogo.

(…)

Ou a mulher madura, voluptuosa em toda a sua languidez, que gosta de saborear e ser saboreada com todo o tempo do mundo, até porque...

Um homem apaixonado
por uma mulher feita
gosta de vinho tinto.


Porque ele sabe que essa mulher feita tem o universo dentro de si, o seu corpo é feito do saber ancestral, ela é a feiticeira do seu amante…

(…)

E ela é encorpada
os olhos são de vidro
verde quente, tem odor a
frutas maduras,
e os lábios são uvas carnudas
que ela pisa com os dele
para fazer saliva.
Bebe-a lentamente,
saboreia a complexidade
dos amoras na boca,
sente-a a entrar no sangue,
a dar-lhe cor,
a chegar ao cérebro,
a ficar tonto,
a ficar alegre,
a ficar feliz,
a rir.
(…)



Este contraponto poético de Vítor Encarnação inicia:
O princípio do homem é a carne.
É ela que descasca a pele da inocência.

Fazendo o percurso da criança em direcção à sua sexualidade, vamos saboreando uma sequência de poemas como se de um único se tratasse, até à adolescência onde...

Para ele é uma encruzilhada.
Para um lado o desejo físico.
Para outro o medo do físico.

por entre o desejo do novo, das experiências físicas e o porto de abrigo da palavra poética...

Podiam vir as moças todas
que ele tinha palavras para elas.
e elas vinham
assombrosas,
etéreas,
sonhadas,
desejadas.
Vinham com o cheiro dos outros,
as línguas dos outros,
as mãos dos outros,
os braços dos outros.
E elas vinham com mel nos ouvidos,

e depois da descoberta, a vontade louca de percorrer o universo, todo o universo feminino, até ao infinito, onde...

As mãos são cavalos selvagens
a pular cercas de botões
e fechos de correr
dando coices de veludo
com os lábios,
(...)
E os cavalos selvagens
cravam as esporas
das unhas nas costas
e cavalgam loucamente
a par,
e o hálito quente
sopra-lhes
nas crinas

 mas ele também descobre que...

A paixão é uma andorinha que quer
voar em Dezembro
como se voa na Primavera

E depois de muitas luas quando já sabe que...

Uma mulher apaixonada
por um homem feito
gosta de chocolate negro.

mesmo quando um dia acorda e descobre-se velho, demasiado velho e dá-se conta
do...

O tempo útil de emoções foi tão curto.
Perderam-se horas
e dias
e anos
matutando,
matutando,
os egoísmos silvando
na noite como cobras frias,
esperando que a mão do outro
viesse,
com dedos de sol,
enxugar a tristeza do rosto,
esperando que os braços do outro
fossem uma ponte
estendida
entre as almofadas
para não morrerem afogadas
na fundura do quarto.

Este homem lembra-se de fazer
a transumância ascendente dos beijos
desde o sopé das pernas,
passando pelos socalcos das coxas,
pelo declive do ventre,´
pelo planalto do peito
até ao cume da saliva
e lembra-se de depois fazer a transumância
descendente de um rebanho de dedos esfomeados.

Agora é um pastor
de memórias bravas
sem bordão que as faça voltar.

já não tem medo, é demasiado velho, e com o seu sorriso de menino apenas sente tristeza de não ter sido melhor, de não ter lutado mais ... por ela... por tudo... mas ele era apenas um maltês da Vida, ninguém e o infinito, entre o universo e o seu palácio de vento... e o dinheiro ainda compra a infelicidade...mas, apesar de tudo, ele ainda não desistiu, porque sabe que a palavra impossível não habita o seu léxico ...

Mas se os pássaros que regressam
o levassem de volta,
ele ia à procura do princípio
e levaria as algibeiras da alma do desejo
para dar de comer às pombas
que se recusaram a poisar nas suas mãos
outrora vazias de milho.

um belo livro!
Parabéns Vítor Encarnação!...

Um comentário:

Paulo Francisco disse...

Adorei esta lasquinha da maçã.
Um abraço.