26 de set. de 2019
25 de set. de 2019
Da Galiza a Sines Um alentejano de regadio na costa atlântica ibérica
Escassos dias antes da partida do Mestre chegávamos a Sines, depois de um percurso desde A Coruña, no Norte da Galiza.
Aqui deixamos o relato dessa viagem.
Assim iniciamos o registo das últimas crónica mensais publicadas na Folha de Montemor.
Aqui deixamos o relato dessa viagem.
Assim iniciamos o registo das últimas crónica mensais publicadas na Folha de Montemor.
Da
Galiza a Sines
Um
alentejano de regadio na costa atlântica ibérica
À chegada a A Coruña deparámo-nos com uma
cidade quase cosmopolita com um bom e diversificado comércio e um porto de mar
muito intenso, no extremo noroeste da Galiza. Diversamente de Santiago de
Compostela, pejado de turistas e o lixo consequente, a catedral em obras, muito
menos acolhedora que Pontevedra, com uma zona histórica concorrida mas muito
bem conservada – onde nos acolhemos num simpático hostal, “Casa do Marujo”,
situado numa bonita praça no casco histórico.
As Rías Gallegas
Como o objetivo era sobretudo conhecer a
costa e as suas gentes numa perspectiva identitária – e já tínhamos abandonado
a ideia de visitar Ferrol, mais industrial - metemo-nos à estrada em direcção à
Costa da Morte, indo aportar a Malpica de Bergantiños, uma vila piscatória,
sede de concelho, onde fomos degustar num restaurante típico pulpo com
chipirones, tinto Ribero e uma excelente vista para o porto. O espaço de
degustação - e convívio - era frequentado pelos locais, nomeadamente
pescadores, onde orgulhosamente exponham num painel as espécies piscatórias e
técnicas e apetrechos usados para a sua faina.
Depois de percorrermos a estrada que
bordeja a Ria de Corme y Laxe, deparamo-nos com uma extensa baía de areia suave
e convidativa a um banho de mar, paredes meias com a povoação de Laxe, porto de
mar com alguns restaurantes na marginal mais frequentados certamente turistas
nacionais, pois era sábado. Abastecidos de água e de café de “saco”, fizémo-nos
de novo à estrada. Ainda que estivéssemos perto da costa passamos por zonas de
floresta frondosa antes de bordejarmos o Rio Grande, que desagua na Ria de Camariñas,
outra povoação piscatória.
Após breve paragem e registos fotográficos
– o sol estava coberto de nuvens e estava vento forte – atravessamos o rio na
povoação Ponte do Porto, iniciando a última parte percurso a caminho do Cabo
Fisterra – como se pronuncia em galego. Próximo, na última dezena de
quilómetros uma via rápida, de construção recente, ajuda a percorrer
rapidamente a distância até à povoação homónima, próximo do famoso cabo, a que
se acede por uma estrada em mau estado. O mítico cabo, onde ao longo dos tempos
reis, nobres, eclesiásticos e outras pessoas deixaram o registo da sua
passagem, muito frequentado por peregrinos – os que não viramos em Santiago – simbólico
por ser o fim do caminho para os peregrinos e ainda que arrebatador, fica muito
aquém da grandiosidade dos nossos Cabo Espichel ou Ponta de Sagres.
A Illa de Arousa
Com o dia a aproximar-se do fim
restava-nos regressar ao hotel, em Santiago de Compostela, para depois de um
banho retemperador, jantarmos num arraial que celebrava o S. João – pouco
exuberante e muito católico, se comparado com as exuberantes festividades pagãs
que no dia seguinte, no Porto ou noutras terras lusas celebrariam o S. João,
assim como Lisboa celebra o S. António ou noutros locais o S. Pedro – que os
pescadores galegos não celebram, como soubemos em Malpica, quando abordados
pela Anita.
No táxi, a caminho do casco histórico de
Santiago percorremos com a memória o primeiro dia em terras galegas, tendo
partido cedo de Valença e após cruzar a fronteira, e deixarmos para trás Tuy e depois Vigo,
atravessamos a esplêndida ria homónima pelo elegante viaduto perto de Domaio e,
após passarmos junto a Pontevedra, nesta
região do litoral sul da Galiza densamente habitada, virámos em direcção à Illa
de Arousa, na magnifica ria de com o mesmo nome. Trata-se certamente da maior
ria da Galiza, mais extensa do que qualquer outra das chamadas Rías Baixas,
caso da de Vigo, de Pontevedra, ou a Ría de Muros y Noia, imediatamente a Norte,
ou no Norte, as chamadas Rías Altas – casos da grande Ría de Betanzos, entre A
Coruña e Ferrol, ou a Ría de Stª Maria de Ortigueira, no extremo Norte – ou as
inicialmente referidas, muito belas mas bem mais pequenas, conhecidas pelas
Rías Gallegas.
Esta bela ilha tem a particularidade de se
situar a escassas centenas de metros da costa e esta ligada a esta por uma
ponte contruída nos anos 80. Situada quase em frente à povoação costeira de
Vilanova de Arousa, ainda que parcialmente habitada, não perdeu a sua beleza
natural. Tem diversos cais, muitos pescadores e é densamente habituada na zona
mais estreita, formando duas penínsulas. Tem um miradouro, um farol e pequenas
praias rodeadas de pinheiros, convidativas para passar ou uma ou duas semanas
de férias. Depois de cruzarmos a ponte, junto a um cais avistámos o restaurante
”O Pescador”, onde nos deliciámos com os choquinhos com tinta em molho
acompanhado pelo melhor vinho bebido na Galiza: um magnífico branco Albariño
caseiro, sem rótulo. Foi um manjar de deuses. O primeiro dia iniciava-se da
melhor forma possível, com a visita à ilha que tinha falhado noutro estadia em
terras galegas, 22 anos antes.
No segundo dia visitamos Cambados e O
Grove, concelhos costeiros separados por um grande braço da ria, tendo
degustado, na primeira povoação, menos turística, um excelente almoço por 10 €
por comensal, onde não faltava o pulpo no respectivo recipiente de madeira.
De
regresso ao Sul cruzamos o Rio Minho mas não visitámos Caminha nem a Citania de
Santa Tegra, na sua foz, antes nos dirigimos a Ponte de Lima: tal como na ida degustamos
nesta bela vila minhota. A sala era exclusivamente composta por comensais da
região, escolha certa para saborear os rojões, o arroz de serrabulho e um
excelente vinho verde tinto caseiro em malga.
O regresso ao Sul e o FMM
Em
dia de festejar o S. João não parámos em Leça de Palmeira, na Granja, em Espinho,
ou na extensa costa banhada pela Ria de Aveiro – Ovar, Torreira, S. Jacinto,
Costa Nova, Vagueira, Praia da Mira, ou mais perto da Figueira, em Tocha, Buarcos.
Muito menos S. Pedro de Moel – que recordamos de finais de 70 – Nazaré, Peniche,
Berlenga, Areia Branca, Ericeira, Praia das Maçãs – onde passámos férias há 50
anos. Mas como as férias ainda não tinham chegado, atravessamos o Tejo e
rumamos a Almada onde entre 4 e 18 de Julho acontece a 36ª edição do
Festival Internacional de Teatro – que
demos conta na edição anterior. E, depois de um banho rápido na Costa de
Caparica, seguimos para Sul, para a cidade de Vasco da Gama, que recebe entre
18 e 27 de Julho a 21ª edição do FMM, o mais importante e premiado festival de
músicas do mundo realizado em solo luso. No derradeiro dia, inicia o programa,
no já lugar de referência que é o palco do castelo, com a famosa banda bejense
“Virgem Suta”.
Depois
deste percurso, desde o extremo noroeste ibérico, nas tardes tépidas e nas
noites marítimas de Sines, vamo-nos deixar envolver pelos sons de outras
latitudes, as músicas do mundo.
José António Salgueiro partiu O adeus do Mestre
Ainda não passará 12 horas sobre o término do FMM e recebíamos a triste notícia...
José
António Salgueiro partiu
O
adeus do Mestre
Há homens quem lutam um dia, e são
bons;
Há outros que lutam um ano, e são
melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e
são muito bons;
Porém, há os que lutam toda a vida
Estes são imprescindíveis
Bertold
Brecht
Ainda não passará 12 horas sobre o término do FMM e recebíamos a triste notícia...
José António Salgueiro, o Mestre das plantas, como era
conhecido, partiu fisicamente seis meses depois de ter completado 100 anos.
Deixou-nos dia 28 de Julho. Ficou mais pobre Montemor-o-Novo, ficou mais pobre
o Alentejo, ficou mais pobre Portugal. Salgueiro deixou um vazio difícil de
preencher nos muitos milhares de amantes da Natureza, nomeadamente os praticantes
de medicina natural e especialmente muitos(as) a quem José Salgueiro aliviou ou
curou das mais variadas maleitas. Deixou um vazio nos(as) homens e mulheres a
quem deu o privilégio da sua amizade.
Esse vazio é difícil de preencher para quem acompanhou
Mestre Salgueiro praticamente nas últimas duas décadas, fosse divulgando a sua
obra, fosse aqui nas páginas da Folha de
Montemor, na Revista Memória
Alentejana ou na Revista Tempo Livre,
do INATEL, só para citar três casos, ou ao termos viabilizado a sua
participação em inúmeros Passeios Campestres, mas também dizendo presente
sempre que o Mestre solicitou os meus singelos préstimos para escrever
prefácios para os seus livros. Por outro lado levando-o a participação em duas
sessões, em Almada na Festa do Solar (2015) e no 3º Aniversário do Cante
Património da Humanidade, “Almada homenageia o Cante” (2017) e as homenagens,
que por proposta nossa o Centro de Estudos Documentais do Alentejo-Memória
Colectiva e Cidadania (CEDA) - de que o Mestre era sócio honorário - e a
Revista Memória Alentejana
realizaram, tanto no passado dia 3 de Fevereiro a festa do seu centenário – aqui
referida nestas páginas - à semelhança do acontecido há dez anos, na Casa do
Alentejo – onde para celebrar tão importante e significativa data estiveram
presentes muitos admiradores e familiares do Mestre Salgueiro.
É de toda a justiça referir aqui dois nomes: o nosso
editor comum, o grande Alentejano – defensor acérrimo do nosso património
identitário, literário e não só – que é o Fernando Mão de Ferro - e a Manuela
Rosa, professora, poetisa e divulgadora de poesia e da literatura – Amiga que
connosco e outros amigos levamos a cabo o projecto “Nova Antologia de Poetas
Alentejanos” (2013), obra de referência com duas edições; a Manela Rosa teve um
papel ímpar, nomeadamente na preparação e redação, a partir de muitas centenas
de horas gravadas e de inúmeros dias de trabalho que possibilitou a edição do
último livro, biográfico, de José Salgueiro
A Minha Vida Dava um Romance.
Outros(as) há, e poderia referir nomes, inclusive os amigos desta Cooperativa
que edita a Folha e protagoniza o
jornalismo livre e regional, autarcas, cidadãos anónimos, mas quero aqui
registar este homem e esta mulher, alentejanos de corpo inteiro, que tal aconteceu
com o Mestre Salgueiro, me dão o privilégio da sua amizade. Sabemos que sempre
fizeram tudo o que estava ao seu alcance, tal como nós, com abnegação, para
divulgar e valorizar o Homem e a sua Obra. Nunca se escusaram, alegando falta
de tempo ou outro para não fazerem o que tinha de ser feito em vida de José
Salgueiro.
A obra de José Salgueiro reside não apenas nos seus
livros com o maior interesse quer literária quer a lucidez demonstrada e a
capacidade analítica de Homem culto - nomeadamente o livro mais vendido na
Colibri, Ervas, Usos e Saberes, em
cinco edições - mas sobretudo a sua postura ética e cívica pondo diariamente a
sua enorme sabedoria ao serviço dos outros, da comunidade. O seu desassombro
perante a vida e quem conheceu bem o Mestre sabe do que falamos: partilho aqui
uma sessão de autógrafos em que participamos os dois, na Feira do Livro de
Lisboa, como o Mestre abordava os potenciais leitores, dizendo que quem
comprasse [e praticasse os ensinamentos] o seu livro vivia até aos 100 anos… e
depois como abordou autores “consagrados” de editora em frente, com o mesmo
argumento…
José Salgueiro preparava-se para editor um tratado de
medicina natural. Visitei-o dia 10 de Maio, depois de um telefonema seu com
carácter urgente: queria que fosse eu a escrever o prefácio. Perante o meu
receio de não ser a pessoa indicada para aquela temática, Mestre Salgueiro
retorquiu: “Mas sabes falar de mim. Conheces-me.”
Quando no passado dia 28, vi no écran do telefone do
carro o nome da Isabel Meira, soube de imediato, o que segundos depois o filho,
Miguel, o neto mais velho de Salgueiro, confirmava: o Mestre havia partido.
Até sempre, Mestre Salgueiro!
Com a devida vénia reproduzimos esta sentida homenagem do Amigo Fernando (Mão de Ferro) à memória do nosso Querido Mestre Salgueiro!
Assinar:
Postagens (Atom)