25 de set. de 2019

Da Galiza a Sines Um alentejano de regadio na costa atlântica ibérica

Escassos dias antes da partida do Mestre chegávamos a Sines, depois de um percurso desde A Coruña, no Norte da Galiza. 
Aqui deixamos o relato dessa viagem. 
Assim iniciamos o registo das últimas crónica mensais publicadas na Folha de Montemor.


Da Galiza a Sines
Um alentejano de regadio na costa atlântica ibérica

À chegada a A Coruña deparámo-nos com uma cidade quase cosmopolita com um bom e diversificado comércio e um porto de mar muito intenso, no extremo noroeste da Galiza. Diversamente de Santiago de Compostela, pejado de turistas e o lixo consequente, a catedral em obras, muito menos acolhedora que Pontevedra, com uma zona histórica concorrida mas muito bem conservada – onde nos acolhemos num simpático hostal, “Casa do Marujo”, situado numa bonita praça no casco histórico.

As Rías Gallegas
Como o objetivo era sobretudo conhecer a costa e as suas gentes numa perspectiva identitária – e já tínhamos abandonado a ideia de visitar Ferrol, mais industrial - metemo-nos à estrada em direcção à Costa da Morte, indo aportar a Malpica de Bergantiños, uma vila piscatória, sede de concelho, onde fomos degustar num restaurante típico pulpo com chipirones, tinto Ribero e uma excelente vista para o porto. O espaço de degustação - e convívio - era frequentado pelos locais, nomeadamente pescadores, onde orgulhosamente exponham num painel as espécies piscatórias e técnicas e apetrechos usados para a sua faina.
Depois de percorrermos a estrada que bordeja a Ria de Corme y Laxe, deparamo-nos com uma extensa baía de areia suave e convidativa a um banho de mar, paredes meias com a povoação de Laxe, porto de mar com alguns restaurantes na marginal mais frequentados certamente turistas nacionais, pois era sábado. Abastecidos de água e de café de “saco”, fizémo-nos de novo à estrada. Ainda que estivéssemos perto da costa passamos por zonas de floresta frondosa antes de bordejarmos o Rio Grande, que desagua na Ria de Camariñas, outra povoação piscatória.
Após breve paragem e registos fotográficos – o sol estava coberto de nuvens e estava vento forte – atravessamos o rio na povoação Ponte do Porto, iniciando a última parte percurso a caminho do Cabo Fisterra – como se pronuncia em galego. Próximo, na última dezena de quilómetros uma via rápida, de construção recente, ajuda a percorrer rapidamente a distância até à povoação homónima, próximo do famoso cabo, a que se acede por uma estrada em mau estado. O mítico cabo, onde ao longo dos tempos reis, nobres, eclesiásticos e outras pessoas deixaram o registo da sua passagem, muito frequentado por peregrinos – os que não viramos em Santiago – simbólico por ser o fim do caminho para os peregrinos e ainda que arrebatador, fica muito aquém da grandiosidade dos nossos Cabo Espichel ou Ponta de Sagres.

A Illa de Arousa
Com o dia a aproximar-se do fim restava-nos regressar ao hotel, em Santiago de Compostela, para depois de um banho retemperador, jantarmos num arraial que celebrava o S. João – pouco exuberante e muito católico, se comparado com as exuberantes festividades pagãs que no dia seguinte, no Porto ou noutras terras lusas celebrariam o S. João, assim como Lisboa celebra o S. António ou noutros locais o S. Pedro – que os pescadores galegos não celebram, como soubemos em Malpica, quando abordados pela Anita.
No táxi, a caminho do casco histórico de Santiago percorremos com a memória o primeiro dia em terras galegas, tendo partido cedo de Valença e após cruzar a fronteira,  e deixarmos para trás Tuy e depois Vigo, atravessamos a esplêndida ria homónima pelo elegante viaduto perto de Domaio e, após  passarmos junto a Pontevedra, nesta região do litoral sul da Galiza densamente habitada, virámos em direcção à Illa de Arousa, na magnifica ria de com o mesmo nome. Trata-se certamente da maior ria da Galiza, mais extensa do que qualquer outra das chamadas Rías Baixas, caso da de Vigo, de Pontevedra, ou a Ría de Muros y Noia, imediatamente a Norte, ou no Norte, as chamadas Rías Altas – casos da grande Ría de Betanzos, entre A Coruña e Ferrol, ou a Ría de Stª Maria de Ortigueira, no extremo Norte – ou as inicialmente referidas, muito belas mas bem mais pequenas, conhecidas pelas Rías Gallegas.
Esta bela ilha tem a particularidade de se situar a escassas centenas de metros da costa e esta ligada a esta por uma ponte contruída nos anos 80. Situada quase em frente à povoação costeira de Vilanova de Arousa, ainda que parcialmente habitada, não perdeu a sua beleza natural. Tem diversos cais, muitos pescadores e é densamente habituada na zona mais estreita, formando duas penínsulas. Tem um miradouro, um farol e pequenas praias rodeadas de pinheiros, convidativas para passar ou uma ou duas semanas de férias. Depois de cruzarmos a ponte, junto a um cais avistámos o restaurante ”O Pescador”, onde nos deliciámos com os choquinhos com tinta em molho acompanhado pelo melhor vinho bebido na Galiza: um magnífico branco Albariño caseiro, sem rótulo. Foi um manjar de deuses. O primeiro dia iniciava-se da melhor forma possível, com a visita à ilha que tinha falhado noutro estadia em terras galegas, 22 anos antes.
No segundo dia visitamos Cambados e O Grove, concelhos costeiros separados por um grande braço da ria, tendo degustado, na primeira povoação, menos turística, um excelente almoço por 10 € por comensal, onde não faltava o pulpo no respectivo recipiente de madeira.
De regresso ao Sul cruzamos o Rio Minho mas não visitámos Caminha nem a Citania de Santa Tegra, na sua foz, antes nos dirigimos a Ponte de Lima: tal como na ida degustamos nesta bela vila minhota. A sala era exclusivamente composta por comensais da região, escolha certa para saborear os rojões, o arroz de serrabulho e um excelente vinho verde tinto caseiro em malga.

O regresso ao Sul e o FMM
Em dia de festejar o S. João não parámos em Leça de Palmeira, na Granja, em Espinho, ou na extensa costa banhada pela Ria de Aveiro – Ovar, Torreira, S. Jacinto, Costa Nova, Vagueira, Praia da Mira, ou mais perto da Figueira, em Tocha, Buarcos. Muito menos S. Pedro de Moel – que recordamos de finais de 70 – Nazaré, Peniche, Berlenga, Areia Branca, Ericeira, Praia das Maçãs – onde passámos férias há 50 anos. Mas como as férias ainda não tinham chegado, atravessamos o Tejo e rumamos a Almada onde entre 4 e 18 de Julho acontece a 36ª edição do Festival  Internacional de Teatro – que demos conta na edição anterior. E, depois de um banho rápido na Costa de Caparica, seguimos para Sul, para a cidade de Vasco da Gama, que recebe entre 18 e 27 de Julho a 21ª edição do FMM, o mais importante e premiado festival de músicas do mundo realizado em solo luso. No derradeiro dia, inicia o programa, no já lugar de referência que é o palco do castelo, com a famosa banda bejense “Virgem Suta”.
Depois deste percurso, desde o extremo noroeste ibérico, nas tardes tépidas e nas noites marítimas de Sines, vamo-nos deixar envolver pelos sons de outras latitudes, as músicas do mundo.

José António Salgueiro partiu O adeus do Mestre


Ainda não passará 12 horas sobre o término do FMM e recebíamos a triste notícia...

José António Salgueiro partiu

O adeus do Mestre

Há homens quem lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém, há os que lutam toda a vida
Estes são imprescindíveis 
                                Bertold Brecht


Ainda não passará 12 horas sobre o término do FMM e recebíamos a triste notícia...
José António Salgueiro, o Mestre das plantas, como era conhecido, partiu fisicamente seis meses depois de ter completado 100 anos. Deixou-nos dia 28 de Julho. Ficou mais pobre Montemor-o-Novo, ficou mais pobre o Alentejo, ficou mais pobre Portugal. Salgueiro deixou um vazio difícil de preencher nos muitos milhares de amantes da Natureza, nomeadamente os praticantes de medicina natural e especialmente muitos(as) a quem José Salgueiro aliviou ou curou das mais variadas maleitas. Deixou um vazio nos(as) homens e mulheres a quem deu o privilégio da sua amizade.
Esse vazio é difícil de preencher para quem acompanhou Mestre Salgueiro praticamente nas últimas duas décadas, fosse divulgando a sua obra, fosse aqui nas páginas da Folha de Montemor, na Revista Memória Alentejana ou na Revista Tempo Livre, do INATEL, só para citar três casos, ou ao termos viabilizado a sua participação em inúmeros Passeios Campestres, mas também dizendo presente sempre que o Mestre solicitou os meus singelos préstimos para escrever prefácios para os seus livros. Por outro lado levando-o a participação em duas sessões, em Almada na Festa do Solar (2015) e no 3º Aniversário do Cante Património da Humanidade, “Almada homenageia o Cante” (2017) e as homenagens, que por proposta nossa o Centro de Estudos Documentais do Alentejo-Memória Colectiva e Cidadania (CEDA) - de que o Mestre era sócio honorário - e a Revista Memória Alentejana realizaram, tanto no passado dia 3 de Fevereiro a festa do seu centenário – aqui referida nestas páginas - à semelhança do acontecido há dez anos, na Casa do Alentejo – onde para celebrar tão importante e significativa data estiveram presentes muitos admiradores e familiares do Mestre Salgueiro.
É de toda a justiça referir aqui dois nomes: o nosso editor comum, o grande Alentejano – defensor acérrimo do nosso património identitário, literário e não só – que é o Fernando Mão de Ferro - e a Manuela Rosa, professora, poetisa e divulgadora de poesia e da literatura – Amiga que connosco e outros amigos levamos a cabo o projecto “Nova Antologia de Poetas Alentejanos” (2013), obra de referência com duas edições; a Manela Rosa teve um papel ímpar, nomeadamente na preparação e redação, a partir de muitas centenas de horas gravadas e de inúmeros dias de trabalho que possibilitou a edição do último livro, biográfico, de José Salgueiro  A Minha Vida Dava um Romance. Outros(as) há, e poderia referir nomes, inclusive os amigos desta Cooperativa que edita a Folha e protagoniza o jornalismo livre e regional, autarcas, cidadãos anónimos, mas quero aqui registar este homem e esta mulher, alentejanos de corpo inteiro, que tal aconteceu com o Mestre Salgueiro, me dão o privilégio da sua amizade. Sabemos que sempre fizeram tudo o que estava ao seu alcance, tal como nós, com abnegação, para divulgar e valorizar o Homem e a sua Obra. Nunca se escusaram, alegando falta de tempo ou outro para não fazerem o que tinha de ser feito em vida de José Salgueiro.
A obra de José Salgueiro reside não apenas nos seus livros com o maior interesse quer literária quer a lucidez demonstrada e a capacidade analítica de Homem culto - nomeadamente o livro mais vendido na Colibri, Ervas, Usos e Saberes, em cinco edições - mas sobretudo a sua postura ética e cívica pondo diariamente a sua enorme sabedoria ao serviço dos outros, da comunidade. O seu desassombro perante a vida e quem conheceu bem o Mestre sabe do que falamos: partilho aqui uma sessão de autógrafos em que participamos os dois, na Feira do Livro de Lisboa, como o Mestre abordava os potenciais leitores, dizendo que quem comprasse [e praticasse os ensinamentos] o seu livro vivia até aos 100 anos… e depois como abordou autores “consagrados” de editora em frente, com o mesmo argumento…
José Salgueiro preparava-se para editor um tratado de medicina natural. Visitei-o dia 10 de Maio, depois de um telefonema seu com carácter urgente: queria que fosse eu a escrever o prefácio. Perante o meu receio de não ser a pessoa indicada para aquela temática, Mestre Salgueiro retorquiu: “Mas sabes falar de mim. Conheces-me.”
Quando no passado dia 28, vi no écran do telefone do carro o nome da Isabel Meira, soube de imediato, o que segundos depois o filho, Miguel, o neto mais velho de Salgueiro, confirmava: o Mestre havia partido.

Até sempre, Mestre Salgueiro!

Com a devida vénia reproduzimos esta sentida homenagem do Amigo Fernando (Mão de Ferro) à memória do nosso Querido Mestre Salgueiro!