22 de fev. de 2012

O primado da Liberdade ou Abraçar a pureza em José Luís Peixoto

Regressado do limbo, da espuma das ondas, do mistério ancestral do centro da terra, ou de mim, trago-vos notícias do mais recente livro do José Luis Peixoto, e de outras deambulações andanças, num texto, no essencial publicado recentemente no jornal Folha de Montemor...

O primado da Liberdade
ou

Abraçar a pureza em José Luís Peixoto


“Somos um país privilegiado pela natureza”… por este sol quente que nos penetra os poros, queima suavemente a pele, neste mar imenso, salgado e solar, infinito e sereno. 16,5 graus de temperatura marcava há momentos o visor do carro, neste início de tarde de Inverno… neste braço de infinito entre os Montes da Lua e o Cabo Espichel, suavidade de temperatura e de luz tão contrastante com a noite de breu anterior- a temperatura chegou a descer aos 2 graus negativos, no regresso de Monte Maior , a caminho da antiga Mina de Ouro (Almadãn) à beira tejo – que no último meio século se lançou numa fúria urbanizadora quase selvagem e que só na última década do século XX se assistiu a alguma normalização. Antes de chegar, passei uma terra que algumas década atrás era habitada por ferroviários do Sul e caramelos – vindos várias décadas antes da Beira Litoral. Dou comigo a pensar: - podia-se chamar “Centro Sul”, mas hoje tem 25 mil habitantes, chama-se Pinhal Novo e foi onde desembarquei um dia, no longínquo ano de 1967 – e menos muitos milhares de habitantes – e dei por terminada a infância ainda não tinha completado os cinco anos, tomando de uma (in)explicável dor imensa pela separação da Terra-Mãe. Julguei ao longo da vida que nesse dia era Inverno. Até que um dia, almoçava com um grupo de amigos, pais incluídos, nos Foros de Vale de Figueira, no Restaurante António (?). No dia anterior tinha lançado um livro na Feira da Luz e depois de uma noite meio dormida tínhamos ido serenar o espírito até às margens do Almansor, na Herdade do Freixo do Meio, grupo de passeantes, guiados pela Ana Fonseca e pelo Amigo Manuel Casa Branca –duas perspectivas diversas do sobreiro, terminado numa tranquilizante aula de desenho. Em fim de passeio preparávamo-nos para retemperar as forças ao som dum apetitoso ensopado de borrego, e nisto, vira-se a minha mãe para mim:

- Faz hoje 40 anos que partimos do Alentejo!

Fiquei sem respiração…. 40 anos???!!! metade, ou mais, de uma… vida… mas…. e tinha visto um céu negro e uma rua enlameada, foi há 40 anos, mas é que se fosse hoje…dia 1 de Setembro. 1967. 2007.



Voltando a 2012. Noite fria de 6 para 7 de Fevereiro. Entro no café combinado e dou de caras com um velho companheiro de andanças várias, nomeadamente dos Congressos do Alentejo, -Manuel Lagarto, onde ele estava enquanto então dirigente associativo – o de Beja foi o último – agora Presidente da Junta de Freguesia local. Conversa breve. E dizia-lhe eu. – é preciso resistir, dar respostas políticas, ideológicas, não sectárias, tolerantes mas se necessário intransigentes em defesa dos valores, ao “radicalismo neo-liberal” -e cito j. Medeiros Ferreira em crónica, nesse dia no Correio da Manha. Eu prefiro chamar-lhe fundamentalismo, fundamentalismo neo-liberal. A que respondo com o primado da Liberdade. De reagir. De agir, De lutar. Estar, ser e viver de pé. A prumo para o Sol. Só assim faz sentido. Lutar, resistir, enfrentar a inépcia de indivíduos que nunca construíram nada pela sociedade, pela comunidade, e que apoiando-se em burocratas sem pátria, que para além da linguagem monocórdica dos números, ao serviço dos seus mandantes, dos seus “pequenos deuses” financeiros, não passam de analfabetos funcionais no mundo dos Homens livres, e até arrebanhando algumas figuras intelectualmente respeitáveis mas que se estão prestando a esta triste tragédia de destruição de relações e equilíbrios sociais tão arduamengte conquistados e construídos ao longo de todo o século XX. Que estranha similitude entre as iniciais medidas de Salazar e as que dia após dia são anunciadas. Aumento dos impostos e de horários de trabalho, diminuição de salários e de regalias sociais. Austeridade que resultou num país atrasado, provinciano, policiado, reprimido, censurado, aprisionado… que novo fascismo subtil e com outras roupagens, mas com laivos fascizantes claros, aí vem?...

A dignidade reside tanto na palavra, no poder da palavra – Sidónio Pais, o Presidente-rei, foi morto por um Alentejano, José Júlio da Costa, a quem traíram a palavra dada e assim lavou a honra.

A minha proposta é mais pacífica e provavelmente assenta mais no primado da Liberdade.

E falo-vos do mais recente livro de José luís Peixoto Abraço. Recentemente escrevi assim ao Zé Luís, que está previsto vir a Montemor-o-Novo, nas II Jornadas Literárias A Poesia da Terra em Monte Maior, no próximo mês de Maio.

“Tenho estado a ler o teu livro e estou a gostar muito. Tem crónicas excelentes, nalguns casos de cortar a respiração. Conjugas, em perfeita harmonia e comunhão, o Menino sensível que te habita e nos enternece com o Feiticeiro sábio que nos encanta porque desmistifica com suave clareza e frontalidade os mistérios da Vida. És um grande escritor e é para nos, singelos amantes apaixonados da escrita uma benção vivermos essa partilha que nos dás das tuas palavras… e dos teus abraços.”

Termino com um excerto da crónica

‘Manifesto branco’


PUREZA, ESTA PALAVRA. Os poemas da Sophia, os poemas do Eugénio, os poemas da Fiama, as crianças. Endeusa esta palavra. Uma palavra pode ser um deus, como um rio pode ser um deus (Ganges). Uma palavra pode ser um deus como o invisível pode ser um deus. Um significado pode ser um deus. Sorri


Se eu descrevesse agora a pureza iria construir uma ordem de palavras diferente da tua e diferente da minha amanhã, ontem. Esta é uma certeza evidente. É assim porque eu e tu somos diferentes, porque eu agora sou diferente do eu amanhã, eu ontem. Os filósofostiraram essas conclusões antes da electricidade. Nãqo há um grande mistério nessa ideiaapesar de ser a tentação de um poço e, já sabes, os poços servem sobretudo para cair. Não deixes que esse pormenor te impeça de nada.


(…)


Talvez te pareça que já não podes ver com pureza, talvez te parece que perdeste essa capacidade entre as coisas reais, como quem perde uma chave na rua, como quem perde a carteira. A diferença entre um sentido e uma chave ou uma carteira, por exemplo, é que um sentido pode materializar-se na palma da mão, não é feito de ferro. Se precisares de renascer, renasce. É permitido renascer. Na verdade, nada é proibido.


Nada é proibido.


Pureza, repito a palavra apenas pelo prazer de articulá-la. Experimenta. Se te sentires ridículo ao fazê-lo, sabe que essa é uma armadilha que deixaste que te colocassem. Ignora-a. Diz: Pu-re-za. Ao fazê-lo, é como se cantasses no duche ou no trânsito. Sorri.


(…)


Tudo é possível. Nada é impossível. Não deixes que te armadilhem de cálculos e labirintos. Sãqo demasiado fáceis de construir. Quando mal entendidos, são máquinas de guerra. E, no entanto, não há palavras más. Perante a pureza, deus, só há palavras boas. Avança no incandescente, na música sem muros. Não existe horizonte nessa paisagem. Pureza, repete. Tu tens direito à felicidade.


Agora, vai. Tens a vida à espera de abraçar-te.


Mais do que a ler, a saborear sofregamente.

Abraço de José Luis Peixoto