21 de abr. de 2008

Saudades de Mértola





um naco de pão, um pouco de água fresca,


a sombra de uma árvore e os teus olhos.


Nenhum sultão me excede em alegria,
nenhum mendigo é mais triste.



Omar Khayyam



Nesta viagem, sempre mais para o Sul convido-vos a seguir a estrada entre Évora e Beja, depois de um dia na universidade na subtil cidade manuelina-mudejar a falar sobre a poesia luso-árabe e a percorrer a excelente e única biblioteca do Centro de Estudos Árabes, dirigida pelo Prof. Abel Sidarus, na companhia do prof. Fernando Branco, colega no painel da manhã e com quem haviamos estado há sete anos a apresentar, em Mértola, o número zero, experimental, ainda em fotocópia, da revista Memória Alentejana... e estamos de novo na estrada, o Sol, iniciou o seu deitar, a estrada é secretamente percorrida com serenidade, não em desvario como aquela personagem dum conto do Prémio Literário Pedro Ferro em fiz parte do júri. Sereno, sem pressa, aprecio a suave beleza do horizonte, o Sol que continua a esconder-se. Há um programa na rádio, antena 3, sobre viagens. Falam de como é Alentejo é particular e único. Se estivessem onde eu estou...o Sol mesmo quase a pôr-se inevitavelmente...




É noite quando chego a Mértola. Para além de um bar em plena cidadela onde adolescentes bebem cerveja não se vê vivalma. Percorro as ruelas empedradas, as pedras segredam-me as histórias de Vidas e Amores, traições e lutas, de preserverança no caminho a seguir... volto na noite seguinte depois de um longo percurso a pé em redor da barragem em S. Domingos e de uma ida a saboerar o silêncio de um fim de dia no Pomarão, volto nessa noite e vou ao castelo, à mesquita, encontro-me com o Ibn Qasî, o mestre sufi, o guerreiro, o asceta, o diplomata... as pedras contam-me histórias, ali naquela encosta de ruelas estreitas onde o souk se instala quando acontece o Festival Islâmico...







Há tanto tempo que esperava por aquele silêncio, de me sentar na soleira da porta, fumando, esperando... tinha saudades, saudades dos campos pintados por mão divina, percorridos no dia seguinte a caminho da Aldeia de Sete, onde o jovem Mestre de apenas 24 anos, o Pedro Mestre, no silêncio da tarde me mostrou no seu atelier uma voila campaniça, por ele reconstruída e dedilhou aqueles sonoridades únicas destas paragens ao Sul, bem ao Sul do Alentejo...



tinha saudades de ficar só com este silêncio...

tinha ...

saudades de Mértola




10 de abr. de 2008

Al Mouhatamid ou o Amor ... e o Mar

Em breve vai ser dia. Entretanto a tempestade há muito anunciada chegou.
Estou exausto.
Recordo a estada breve no Moinho das Mestras, no Rio Degebe, com o amigo Ludgero Salvador, o Ganhão-mor da Confraria da Moenga, o Augusto, os outros amigos. Gostava de ser confrade. e os outros amigos, do Grupo Coral "Os Almocreves", o presidente da Associação "Slow food", que têm como símbolo um caracol, o autarca José Ernesto, ou o Mestre Salgueiro, que no regresso deixei em casa.

Recordo a Serra da Arrábida no dia seguinte, o Convento dos Capuchos propriedade da Fundação Oriente e aquela capela, semelhante a um antigo morábito?, azul magrebino, sobre o mar do Portinho onde fiquei e ver o findar do dia encontrando as palavras certas, que depois surgiram em catadupa, mais de 15 áginas, em poucas noites quase em claro.


A tempestade continua escondendo o Mar da Palha.
O dia vai nascer em breve.
Estou exausto. Mas contente. Revigorado. Renovado. Encontrei caminhos belos e novos na História e na Poesia do "Século de al Mouhatamid"...


... dentro de poucas horas parto para Évora - e depois, quem sabe, bem mais para Sul..., -onde vou participar no Congresso da APEC- Associação portuguesa dec Estudos Clássicos, com uma comunicação que começa assim - apectece-me partilha-la agora, que exausto, a terminei:


O Amor, O vinho, a Natureza e a Saudade na Poesia Luso–Árabe

«Admiro este Mouro que não defende a liberdade porque no deserto se é sempre livre, que não defende tesouros visíveis porque o deserto é nu, mas que defende um reino secreto»



Saint-Exupéry citado por Adalberto Alves em O meu Coração é Árabe


Quero falar-vos de um reino secreto. De Poesia vos quero falar. De um reino secreto que existiu e atingiu a sua plenitude no coração de homens e mulheres que viveram no “século de Al Mouhatamid”.


e.. termina...
Em Al Mouhatamid (e nos poetas exemplificados) na sua lírica radica vão beber D. Dinis, Camões, chegando até aos nossos dias, com Sophia, Alegre e todos os poetas e escritores de canções que cantam o Amor, a sensualidade, a Paixão, a Natureza, a Saudade do ser português, como pretendemos mostrar com um trabalho em curso.

Al Mouhatamid, que personificando tudo isso, essa nossa génese poética, mas também o estadista visionário, que teve continuidade em D. João II, mas ele," Poeta do Destino" encontrou o desterro e a morte em terras magrebinas como D.Sebastião, ele que foi, sobretudo, o Príncipe do Renascimento, Amante e Rei, no dizer de Adalberto Alves, que citamos: (de novo)

A nossa poesia trovadoresca, quer as cantigas de amigo quer as de amor, quer as de escárnio e mal-dizer, são filhas directas das muwashshaha, e do zajal árabes. E a saudade, palavra indizível, a não ser em português e árabe, é cantada já no «nasib» da velha ode «qasida» ante-islâmica. Essa saudade é a mesma que os habitantes de Testou (Tunísia), Tlemcen (Argélia) ou Tetuão (Marrocos) sentem da terra do verde e da água, o Ândalus, de onde injustamente foram expulsos há quatro séculos. Talvez por isso, ainda hoje usem os seus apelidos portugueses e espanhóis, e têm penduradas, nas paredes dos lugares que habitam, velhas chaves ferrujentas das casas que aqui foram forçados a abandonar”



Deste arabista e poeta vos deixou, do seu muito recente último livro - No Vértice da Noite- que muito me agradou.. .e ainda estou saboreando,




Tu e o Mar


em ti arfa um mar

que afaga a praia sob a bruma.




há sopro e expansão

e voo de asas só de espuma.




primeiro, ondulação serena

e logo vagas, vertigem de maré.


todo o teu rosto esplende

és sibila que não sei quem é.


depois murmúrio de palavras roucas

num mistério que nos morde as bocas.