26 de nov. de 2010

O meu Alentejo… infinito e de partilha






Podia falar-vos do fraternal “ VII Festival das Sopas” que reuniu há pouco mais de duas semanas milhares de naturais e forasteiros, que em Montemor se deliciaram a saborear o complexo e intenso resultado da criatividade de como partindo da simplicidade das ervas aromáticas, ao longo de séculos (quiça milénios?), desde o tempo da fome, quando os pobres concretizaram verdadeiros pitéus agora apreciados e respeitados pelos mais abastados: receitas diariamente renovadas onde as ervas são o cerne. As sopas podiam ser degustadas enquanto se revisitava utensílios de outros tempos na exposição “Memórias de um Lagar do Escoural”, antigo lagar agora em fase de musealização, e no final saboreamos os divinos licores de poejo e mirtilo, com o amigo Alex Pirata e todos os (as) das mesas em redor.

Alex e Nina confraternizando com os amigos

Podeia ainda falar-vos do "XII Encontro do Núcleo dos Amigos do Concelho de Mora", acontecido neste último fim de semana, onde o velho e querido Amigo José Chitas foi homenageado, ou até da singular exposição inaugurada nesse dia na Galeria Municipal de Montemor, obra imaginativa da jovem escultora Sara Antónia Matos, ou da quem está patente na 9Ocre, ou da que ainda continua no Museu Regional de Évora, de Rui Macedo, ou das actividades que os cidadãos de Montemor realizam aos sábados para revitalizar o belo espaço do Mercado Municipal.


José Chitas com a companheira.... e com o Zé Manuel Pinto, Administrador do Fluviário de Mora


Peças de Sara Matos



                                                                      Galeria 9Ocre

De repente percebo que chove lá fora, em breve despontará o dia num país porventura parado, revoltado em nome de dignidade (refiro-me à greve geral que aconteceu nesse dia)… mas de repente oiço o chilrear de pássaros e… nas árvores em frente do meu apartamento há um inebriante chilrear de pássaros, em plena tempestade, será indícios que em breve ela vai amainhar? Como é bela, maravilhosa a natureza, sempre com a capacidade enorme, avassaladora de nos surpreender!



Pintor Manuel Casa Branca
                                     venda de bolos caseiros




Poderia… mas vou apenas falar-vos da Música, da Poesia, des’outra face, tão perene e tão em mim presente, que me tem marcado voluptuosamente, por entre o Sol e a Lua e o vento suão, nos femininos montes e vales de seios amendoados, dos campos de papoilas e esteves, que percorro há mil anos, maltês da Vida, maltês da escrita. Um dia, menino ainda, estava  então tão certo da pureza, ao som das palavras da menina, que da soleira da sua porta distante me falava e do olhar lânguido dos meus pais jovens e apaixonados e do riso claro e transparente da minha mãe e… de repente sobreveio a noite e a escuridão e… o menino, que não teve adolescência, tornou-se adulto e passou muitas luas e muito medo até se redescobrir… foi já neste século ao som da voz mais doce do mundo, percurso reafirmado um dia em Agâmate, cidadela às portas do Atlas, antiga capital de Marrocos, a Sul de Marraquexe – como dei conta no blogue “Corto Maltese”.
Deste meu querido e doce Alentejo, onde “Mourazinha/que lindos são teus olhos a chorar/Quem me dera matar a sede à garganta/Com as águas que correm do teu olhar”. Deste meu Alentejo de partilha, porque infindável, imenso e infinito, Pátria de mim e de quem Amo, Pátria imaterial de mel e vinho, que em dia quero doar o horizonte ao Roque, talvez maltês do infinito…


Partilho poemas cantados num dos mais belos discos sobre o Sul. Tão pouco e tanto - como é o Sul - de Janita Salomé.


Fala do Amor A lentejano
(Hélia Correia / Janita Salomé)
(Tão Pouco e Tanto)


Ó noivada,
Ó deitada, ó moreninha
Sobre rendas
Que a giesta entreteceu,
Saia branca
Debruada na bainha
De um azul
Que envergonha a cor do céu.


Dorme a sesta,
Dorme à sombra, desmaiada,
Quente o seio
Que em mão de homem se desfez,
Palha e pó,
Manta em flor rubra e dourada,
Que o sol estende
Para te encobrir a nudez.


Mourazinha
Tão fiel ma mágoa tanta,
Que bonitos
São teus olhos a chorar.
Quem me dera
Matar a sede à garganta
Com as águas
Que correm no teu olhar.


Ó deixada,
Ó de amor doída e seca,
Guerrilheira
Posta a ferros em prisão,
Que lamento
Se ouve à noite na charneca,
Que fadiga
Te encurva as costas pró chão.


Refrão


Terra amiga a que me ajeito
Para em paz adormecer.
Mulher-mãe que oferece o peito
A quem lá quiser beber.
Terra amante onde me deito
Como se fosse a morrer


Não é fácil o Amor
(Luís Andrade (O Pignatelli) / Janita Salomé)
(Tão Pouco e Tanto)


Não é fácil o amor melhor seria
Arrancar um braço fazê-lo voar
Dar a volta ao mundo abraçar
Todo o mundo fazer da alegria


O pão nosso de cada dia não copiar
Os gestos do amor matar a melancolia
Que há no amor querer a vontade fria
Ser cego surdo mudo não sujeitar


O amor ao destino de cada um não ter
Destino nenhum ser a cópia imagem
Do amor pôr o coração ao largo não sofrer


Os males do amor não vacilar ter a coragem
De enfrentar a razão de ser da própria dor
Porque o amor é triste não é fácil o amor

Sinal de Ti
(Sophia de Mello Breyner Andresen / Janita Salomé)
(Tão Pouco e Tanto)


A presença dos céus não é a Tua,
Embora o vento venha não sei donde.

Os oceanos não dizem que os criastes,
Nem deixa o Teu rasto nos caminhos.

Só o olhar daqueles que escolheste
Nos dá o Teu sinal entre os fantasmas.

16 de nov. de 2010

Chico Buarque e André Gago: um Mar de palavras...

A semana que passou foi pródiga em acontecimentos literários, tanto no Brasil como em Portugal:


Conforme Prensa Latina (Brasília, 9 Nov.).

"O livro Leite derramado, do cantor, compositor e escritor brasileiro Chico Buarque de Holanda, ganhou dois prémios em menos de uma semana, o Jubuti e o Portugal Telecom.


Chico Buarque
Ontem à noite em São Paulo, Chico Buarque recebeu das mãos Pilar do Rio, viúva do escritor português José Saramago, Prémio Portugal Telecom de Literatura em língua portuguesa.

Na quinta-feira da semana passada, o mesmo romance ganhou o Jabuti da literatura brasileira, quando foi escolhido pelo júri como o melhor livro de ficção do 2010, pela primera vez na 52 edição desse prémio o mesmo escritor ganha três vezes na mesma categoria.
Considerado o maior compositor vivo da Bossa Nova, Chico Buarque ja tinha recebido o mesmo prémio em 1992 com Estorvo e em 2004 com Budapest.

O romance narra, através dum centenário idoso, a ascenção e queda da modernidade brasileira. Além do Prémio Jabuti 2010, o livro ganhou o prémio do júri popular, uma novidade este ano com mais de cinco mil votos na Internet.

Francisco Buarque de Hollanda (Rio de Janeiro, 19 de junho de 1944), mais conhecido como Chico Buarque ou ainda Chico Buarque de Hollanda, é um músico, dramaturgo e escritor brasileiro."

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"Filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda, iniciou sua carreira na década de 1960, destacando-se em 1966, quando venceu, com a canção A Banda, o Festival de Música Popular Brasileira. Socialista declarado, auto-exilou na Itália em 1969, devido à crescente repressão da ditadura militar no Brasil, tornando-se, ao retornar, um dos artistas mais ativos na crítica política e na luta pela democratização do Brasil. Na carreira literária, foi ganhador do Prêmio Jabuti, pelo livro Budapeste, lançado em 2004.

Casou-se com e separou-se da atriz Marieta Severo, com quem teve três filhas: Sílvia, que é aCtriz e casada com Chico Diaz, Helena, casada com o percussionista Carlinhos Brown e Luísa. É irmão das cantoras Miúcha, Ana de Hollanda e Cristina."
(Wikipédia).

Chico Buarque esteve em Portugal, entre outros, num concerto memorável na Festa do Avante! julgo que no princípio dos longínquos anos oitenta...
Chico Buarque

Fonte:NET

No dia 10, às 17:00h. na Xuventude da Galiza, era apresentado por Lídia Jorge, o romance Rio Homem de André Gago. Nasceu em Lx em 1964 com raízes transmontanas e 20 anos depois estreou-se como Actor profissional. Homem dos sete ofícios: música, desenho, escrita, representação. No teatro desdobra-se, desde a montagem à encenação, passando, claro, pela representação. Começa por adaptar Aquilino Ribeiro e Jorge de Sena mas entretanto descobre as máscaras tradicionais - de que tem um importante acervo - e o poder de improsivação, a Commedia dell'Arte... depois de muitos projectos inovadores em 2001 é distinguido com o Prémio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores com O Circo da Lua, escrito como base para um espectáculo de circo que dirigiu em 2003. Em 2004 cria o "Teatro Instável", onde continua a criar espectáculos com base em montagens de textos de vários autores e originais seus., por entre muitas actividades e prestações televisivas.


Conhecemo-nos em meados de noventa, quando eu fazia trabalho de campo sobre as máscaras dee Ousilhão - Vinhais, na região de Bragança. Com outros amigos fundámos a "Cooperativa Cultural Origens"sedeada em Almada e se o projecto inicial sobre as máscaras não singrou por insuficiência de apoios, realizámos em Almada, entre outros, sessões com: Sérgio Godinho (Maio de 68), Álvaro Cunhal, Garcia Pereira e Embaixadora de Cuba (Revoluções do século XX), Jorge Listopad, José Bento e Fernanda Abreu (Federico García Lorca), General Vasco Gonçalves e Tenente-Coronel Otelo Saraiva de Carvalho (25 anos do "25 de Abril").


Este Rio Homem, de que estou a gostar muito, leva-nos a Vilarinho de Furnas no rescaldo da Guerra Civil de Espanha onde vão ter o jovem Rogelio e os seus companheiros republicanos, guerrilheiros em fuga face ao terror falangista de Franco e, que inicia citando Bertold Brecht:

Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há homens que lutam um ano, e são melhores,
Há homens que lutam muitos anos, e são muito bons,
Porém há os que lutam toda a vida.
Estes são imprescindíveis.

Parabéns ao Chico Buarque!

Parabéns ao André Gago!