28 de fev. de 2011

José Salgueiro lança um novo livro... aos 92 anos...

É assim José Salgueiro, o Mestre Salgueiro, o sábio das plantas medicinais e ... da Vida!
um exemplo de preserverança, de boa disposição, de verticalidade (como sublinhou o Autarca Carlos Pinto de Sá), sábio da simplicidade e um exemplo para os que se acomodam... perante a sua vontade férrea de Viver cada dia com a Poesia na Alma, não abdicando de tirar o melhor da Vida, de transformar a realidade, por mais dura e negra que possa parecer, numa benção que temos o direito e dever de dignificar, de Amarmos a Natureza amando-nos a Nós próprios, com a serenidade de sabermos Amar e aceitar o Amor... pois se nos Amam é por o merecemos!...
O seu exemplo é uma indicação perene que o Caminho faz-se de preserverança e luta pela Verdade, pela Beleza, onde não há lugar para perder tempo...
Pois é, lá tive mais uma vez a difícil tarefa de apresentar o seu  novo livro "Extractos do Meu Sentir", apresentado no passado dia 26 na Biblioteca Municipal Almeida Faria, em Montemor-o-Novo, de que escrevi o prefácio... e ele, com aquela enorme pujança, lá foi avisando que tem três livros na calha - um sobre Medicina Tradicional, uma biografia romanceada (que vai ter a colaboração da Manuela Rosa), e um quarto livro de Poesia - por entre os elogios aos colegas de Mesa - ao Carlos que quase viu nascer, ao Fernando (Mão de Ferro, da Colibri) e aqui ao escriba - enormes e excessivos elogios, que vindos do Homem tão sábio, me deixam vaidoso, mas naquele momento tão envergonhado que, se tivesse "um buraquinho metia-me nele"... mas ele sabe do que fala... e lá me foi, publicamente, avisando que em breve estou de novo metido em "trabalhos", por sua causa! ... uma causa que me dá muita força para continuar o Caminho e não desistir nunca!...


Num Passeio Campreste, S. Gens, Maio 2009



Partilho o Prefácio:


"Há Homens e Mulheres que não se limitam a passar pela Vida. Antes pelo contrário; marcam os momentos e os espaços, as vivências e as pessoas. Encontrᬠlos é uma bênção, um privilégio para todos aqueles que são iluminados pela sua vontade férrea e pelo seu poder imenso de sonhar, de partilhar o Sonho e a Beleza com os demais.



O Mestre José Salgueiro é um desses seres únicos que marcam indelevelmente o seu tempo e as gerações posteriores. Seres que pela sua força interior são o centro do universo, onde quer que estejam. Mas Salgueiro distingue¬ se neste universo restrito, mas imenso, por pôr as suas potencialidades ao serviço da comunidade, do bem comum.


Por outro lado, o Mestre Salgueiro é um exemplo vivo de como foi o século XX português no Alentejo, ele que “comeu o pão que o diabo amassou”. Todavia, essa marcante vivência não o tornou um ser triste, azedo, desiludido, antes pelo contrário, mantêm intacta, aos 91 anos, essa particularidade que o caracteriza: uma personalidade de espírito aberto e entusiasta, ainda com muitos sonhos para cumprir.


Ao mesmo tempo revela de forma analítica rara, uma enorme lucidez social. José Salgueiro não se “aburguesou” e assume¬ se com uma frontalidade na defesa dos seus pontos de vista. Tal característica não denota qualquer espécie de intolerância peran-te factos e ideias. A sua lucidez e visão incisiva perante uma clara injustiça social actual – reflexo das “nuances” neo¬ liberais que marcam o nosso tempo – não o faz esquecer os seus tempos de meninice, quando a miséria era incomparavelmente mais profunda e flagrante. Como ele próprio escreve, sobre esse tempo em que também começou a apreender a sabedoria ancestral dos Homens e das Mulheres, fruto de uma vivência em harmonia e respeito pela Mãe-Natureza:


Nasci em 1919, num monte afastado 5 km de Montemor. (…) À noite, porque os meus pais trabalhavam de sol a sol, regressávamos a casa, onde só chegávamos pela noite cerrada. Era aí, a um canto do lume, ou seja, à chaminé, enquanto a minha mãe fazia a ceia, que meu pai nos divertia para que o sono não nos atormentasse. Era também ele que nos contava histórias, umas com fantasia, outras verdadeiras, de tudo quanto sabia de si, seu pai, seu avô e muito mais. E assim me foi transmitindo muito do que ainda hoje conservo na memória, referente aos meus antepassados. Como o tempo não parava, foi com 5, 6 anos que comecei a reparar em tudo o que minha mãe fazia, para nos tratar das doenças que nos atormentavam.


E cá estamos perante este ser fascinante, que nos tem deli-ciado nalguns passeios campestres, transmitindo os ensinamentos imensos sobre as “ervas medicinais”, mas também nos tem levado a percorrer espaços paradisíacos existentes no seu concelho encimado pelo Montemaior, um dos lugares mais bonitos do mundo. Nestes espaços que nos seduzem irremediavelmente descobrimos, um dia, que Vida só fazia sentido se vivida intensamente, apaixonada e perfumada; sobretudo depois de sentir o cheiro da morte a rondar. Por isso foi inevitável essa opção radical e plena de viver intensamente cada minuto, no universo romântico e belo das papoilas e das flores de esteva que caracterizam a suave tela das colinas únicas desta Terra abençoada: As colinas da minha aldeia são as mais bonitas do mundo. Essas colinas, que podem ser estas. Mas estas belas paisagens, curiosamente, estão unidas às primeiras através de uma linha do meridiano de Greenwich, como se de dois seres feitos para a comunhão e para o Amor se tratasse.


Nesta suave e doce terra que é do Mestre Salgueiro e que também já sentimos um pouco como nossa, onde vivemos momentos plenos e encontramos pessoas únicas. No prefácio do anterior livro de José Salgueiro, Relatos de uma vida, referi dois amigos. Permitam¬ me hoje falar-vos de duas mulheres, duas amigas: a Manela Rosa, uma apaixonada activa e persistente pela Natureza e pelo meio ambiente, senhora de uma escrita de rara beleza, amiga de mútuas afinidades várias; a Vina (Etelvina Maria), amiga mais recente, mestra de uma diversidade artística mas onde se interpenetram os conhecimento científico e empírico e, como exímia artesã, assume ao pintar de forma tão bela – e assim preservar a tradição – , o suave mobiliário alentejano que sai das suas mãos de talentosa artista.


Podia referir¬ me ao Mestre e ao seu mundo, este mundo que aqui, em traços muitos breves vos trouxe. Mas o mundo de José Salgueiro é o universo; até porque ele é “um animal de palco”, que se sente como peixe na água sempre que se dirige a uma enorme plateia rendida a seus pés. Refiro só dois exemplos: Na concorrida homenagem na Casa do Alentejo, que com outros ami-gos e no âmbito do CEDA lhe prestamos, quando, em Fevereiro de 2009, Salgueiro completou noventa anos e foi lançado o seu ante-rior livro de poesia. No final, o amigo encenador Hélder Costa, despedia¬ se confidenciando-nos com um abraço carregado de emoção: Nunca assisti a um lançamento dum livro com esta pureza, um momento tão grande e genuíno como este.


Na edição da Festa da Primavera deste ano de 2010, na Her-dade do Freixo do Meio, encontrei Mestre Salgueiro na sua banca com muitos chás e livros, a discursar para uma pequena mas entu-siasmada plateia. Quando me viu, abraçou¬ me e apresentou¬ me da seguinte forma: Este é o senhor que escreve os prefácios para os meus livros, o que, como é compreensível, me deixou completamente “encavacado”.


Este é o Homem único e aglutinador que, mais uma vez me destinou a difícil tarefa de escrever o prefácio do seu terceiro livro de poesia. Este livro, no fundo é como que uma continuida-de, pois José Salgueiro no trabalho anterior inicialmente projectava um livro demasiado extenso, acabou por deixar certamente na “gaveta” um alargado conjunto de poemas. Para o nascimento desta nova obra apenas teve que acrescentar outros poemas mais recentes.


Senhor de uma escrita escorreita e sibilina, onde a componente da temática popular é marcante, José Salgueiro utiliza na sua construção poética uma estrutura de tipo tradicional, com uma variedade que vai desde a quadra até à décima, onde o soneto também está presente, descrevendo situações e vivências, qual repórter do quotidiano, fruto da sua longa e rica experiência; como o” filme dos acontecimentos” das privações passadas com a sua família entre 1919 e 1950 que nos descreve através de 37 quadras e 34 sextilhas. Atento observador, dissecando os acontecimentos, seja os passados na sua Montemor natal, mas também o que se passam pelo mundo, desde o Iraque a Timor Mestre Salgueiro, com uma subtileza invulgar e um “olho cirúrgico”, analisa, opina, denuncia as tragédias e as calamidades, fruto tantas vezes dos “interesses soberanos” das poderosas nações do Norte”


Mas para além das questões sociais, das injustiças que conti-nuam a lavrar por esse mundo fora e pelo nosso país, José Salgueiro apresenta¬ nos neste livro poemas que são verdadeiras elegias ao Alentejo, à sua bela cidade de Montemor, ao altivo castelo semi¬ destruído, ao suave rio Almansor, aos (seus irmãos) poetas, à Mulher Alentejana, onde embora se leia quase nas entrelinhas uma certa mágoa e nostalgia, são sobretudo caracterizados por uma grande paixão, por um grande amor pela beleza da terra e dos nobres sentimentos das gentes.


E assim termino esta breve prosa. Provavelmente esperavam um texto analítico dissecando profundamente a Poesia do Mestre. Mas eu, honro¬ me de ser apenas um simples e modesto discípulo, que quase nada sabe de Poesia, apenas sei que não sei viver sem ela, que é, a par do Amor e da Amizade fraterna, a Beleza que faz sentido na Vida.


Parabéns querido Mestre!


Esperamos muito de si e do seu trabalho para que os nossos dias continuem a ser mais luminosos."


Almada, 9 de Julho de 2010



Foto de Manuela Rosa
Foto de Manuela Rosa

E este luminso Poema dedicado à Mulher (do Alentejo)... que ambos adoramos...


À MULHER DO ALENTEJO



Heroína das mulheres
Filha da chuva e do vento
Suportava as intempéries
Sem esboçar um lamento.


Mulher de aço formada
Que Deus fundiu e adora
Ao romper da madrugada
Já ía p´los campos fora.


É a mulher ideal
Desde a cozinha à costura.
Nos campos de Portugal
É professora e rainha.


Era vê-la a trabalhar
Quer fosse de dia ou de noite

Nas cavas ou a ceifar
Das outras sobressaía.


Aquela que mais sofria
Com a dieta forçada
Com vergonha, só comia
Das outras, muito afastada.


Trabalhava todo o dia
À noite fazia a ceia
Depois passava e cozia
A roupa à luz da candeia.

25 de fev. de 2011

Zeca Afonso - O Canto da Utopia continua!... 24 anos depois....

A arte de José Afonso é um jorro de água clara, puríssima, portuguesa sem mácula. Realmente é a «pureza» a nota maior desta arte. Pureza de voz, pureza no poema, pureza na música… Trova antiga purificada, folclore limpo de excrescências, balada de combate em que a justiça vai de bandeira. E o ouvinte fica tonificado, «limpo», cheio de graça, com mais vigar para a luta. No chiqueiro velho e saudosista, insignificante e feio da música ligeira do nosso país, José Afonso surgiu como um renovador: de riso claro e leal, com punho duro de diamante, terno e gentil sem amaneiramentos. Limpou crostas, desatou amarras, descobriu ramos verdes e ocultos, abriu janelas na parede bolorenta do fatalismo lusíada. E como esta arte pura e viril habitava já, nebulosamente, nos anseios da juventude que tanto pechisbeque musical mórbido e paupérrimo trazia nauseada, José Afonso conseguiu rapidamente uma enorme audiência: Ele é hoje o mais autêntico trovador do povo português, nesta hora que todos vivemos. Ninguém melhor que ele transmite os seus desesperos e raivas, as suas aspirações de amor, de paz, de justiça de verdade. Por isso, todos o amam. E o amor do povo, dos jovens, de todos aqueles que ainda não estão definitivamente contaminados, esclerosados, é, tenho a certeza, a recompensa e a glória de José Afonso. Nem tudo está podre no reino da Dinamarca.

                                                                                   Bernardo Santareno



No dia 23 passaram 24 anos sobre o desaparecimento físico do génio maior da Música Popular Portuguesa e um dos mais importantes da World Musica. Prefiro as datas iniciais, o nascimento, o início da Vida... mas ainda assim partilho este texto do dramaturgo Bernardo Santareno, que não obstante ter várias referências a um tempo outro, antes da Revolução de Abril, e ser até optimista relativamente até à divulgação da genial obra do Zeca junto do povo - pois o Zeca, embora o reconhecimento geral, continua a ser uma figura etiquetada e mal amada por algum do conservadorismo que impera nas mentes obtusas, resquídeos do salazarismo que não desapareceram de fez - mas dizia, é um texto actualissimo quando nos fala da imensa e grandeza da obra musical e poética do Zeca. 

O Zeca nunca se escusou a estar nos combates em defesa da dignidade colectiva por causa da sua liberdade individual, mas também nunca abdicou da sua "Liberdade Livre", como referi a sua postura filosófica e existencial, em 2007 na Casa da Música - Porto, e de ser o "seu próprio comité central".
Por isso é para mim uma referência fundamental, para além do génio criador, uma filosofia de Vida feita de Liberdade imensa, tolerância e intransigência nos defesa dos valores humanistas.

Partilho um dos mais belos temas interpretados pelo Zeca, que escreveu e musicou magistralmente a partir de refrão popular, agora que a Primavera se começa a fazer anunciar...

Cantigas do Maio


Eu fui ver a minha amada
Lá p'rós baixos dum jardim
Dei-lhe uma rosa encarnada
Para se lembrar de mim

Eu fui ver o meu benzinho
Lá p'rós lados dum passal
Dei-lhe o meu lenço de linho
Que é do mais fino bragal

Minha mãe quando eu morrer
Ai chore por quem muito amargou
Para então dizer ao mundo
Ai Deus mo deu Ai Deus mo levou


Eu fui ver uma donzela
Numa barquinha a dormir
Dei-lhe uma colcha de seda
Para nela se cobrir

Eu fui ver uma solteira
Numa salinha a fiar
Dei-lhe uma rosa vermelha
Para de mim se encantar

Minha mãe quando eu morrer
Ai chore por quem muito amargou
Para então dizer ao mundo
Ai Deus mo deu Ai Deus mo levou


Eu fui ver a minha amada
Lá nos campos eu fui ver
Dei-lhe uma rosa encarnada
Para de mim se prender


Verdes prados, verdes campos
Onde está minha paixão
As andorinhas não param
Umas voltam outras não

Minha mãe quando eu morrer
Ai chore por quem muito amargou
Para então dizer ao mundo
Ai Deus mo deu Ai Deus mo levou

(Refrão popular/José Afonso)

14 de fev. de 2011

Cartas de Amor...

Tenho fome da tua boca, da tua voz, dos teus cabelos
e pelas ruas vou sem me nutrir, calado,
não me sustenta o pão, a aurora me desconcerta,
procuro o líquido som dos teus pés pelo dia.

Faminto estou do teu sorriso resvalado,
de tuas mãos cor de furioso celeiro,
tenho fome da pálida pedra de tuas unhas,
quero comer tua pele como intacta amêndoa

                             Pablo Neruda, Cien Sonetos de Amor



Acaba de chegar às livrarias uma suave edição - de capa dura -  da D. Quixote, Pablo Neruda, Cartas de Amor, que nos revela particularidades do Homem apaixonado no eu Amor por Matilde Urrutia - a sua terceira mulher e o seu mais prolongado e intenso e profundo Amor - que durou desde o seu encontro em 1949 até à morte do Poeta em 1973 . Corresponde a um período de intensa e fecunda criação literária, nomeadamente no primeiro período em que lhe dedicou o mítico Os Versos do Capitão, onde Matilde, no prólogo toma o nome de Rosario de la Cerda e Cem Sonetos de Amor - de onde retirámos o poema com que iniciámos.
Na contracapa pode ler-se:
Juntos somos aquilo que a pobre gente nunca alcança, o céu na terra.
Aperto-te ao meu coração, amor meu, com corpo, alma e amor.


Os primeiros anos, em que o Poeta é obrigado a exlilar-se e a viajar por vezes clandestino, nos longos períodos de separação dessa "Época do Amor Secreto" como aparece em subtítulo, surgem-nos ternas e apaixonadas cartas e mensagens, de que partilhamos duas breves mas...

Buenos Aires, 17 de Novembro

Amor meu, esta não é uma carta mas sim um beijo.
Dou-to através da terra e continuarei a beijar-te através do mar.

Teu
    Teuteu


O mundo é mais azul e mais terrestre de noite,
quando durmo enorme, dentro
das tuas breves mãos.

11 de fev. de 2011

Poemas de Amor do Antigo Egipto:Ode ao Amor e à Beleza... e ao Futuro!

Conversas na Corte




DIZ ELE:


Amada, és única, de ti não se fez duplicado,
A mais graciosa de todas as mulheres,
       luminosa, perfeita,
Estrela cadente sobre o horizonte no ano que passou,
       um bom ano,
Esplêndida nas cores que usa
       e cheia de sedução em cada olhar.
Os lábios são um encanto,
       o pescoço tem o tamanho certo
              e os seios uma maravilha;
O cabelo lápis-lazúli a brilhar,
        os braços de mais esplendor que o oiro.
Os seus dedos lembram-me pétalas,
        as de lótus são assim.
As ancas modeladas como deve ser,
        as pernas de beleza sem rival.
Nobre a forma como anda
               (vera incensu)
Meu coração seu escravo ficaria se a mim se abrisse.
As cabeças voltam-se – e a culpa é sua –
       para a seguirem com o olhar.
Afortunado o que a puder abraçar apaixonadamente;
       será o número um de todos os jovens amantes.
Deo mi par esse
       Todo o olhar a vai seguindo
                mesmo quando já está fora de alcance,
Singular deusa,
       sem igual.


Poemas de Amor do Antigo Egipto

(Trad. de Hélder Moura Pereia), Lx, Assírio &Alvim, 2011-02-11

Traduções a partir das versões em inglês de Ezra Pound . os poemas datam de entre 1567 a.C. e 1085 a.C.



O Amor, a Beleza, a poesia são intemporais. Este belo poema de Amor podia ter sido escrito hoje. Mas não, tem milhares de anos, de Beleza como o fulgor da grandiosa e fundadora civilização do Mundo Mediterrânico - das Pirâmides e dos Faraós, que depois deu lugar a outra não menos fulgurante, a islâmica, que mentes preservas, rudes e boçais apelidavam, na contemporaneidade, estes grandiosos povos do Médio Oriente e do Magrebe – a Tunísia, p. ex. – de atrasados, subdesenvolvidos, machistas, terroristas. Quem, do chamado Ocidente teve a capacidade de se deixar seduzir, abraçou intensamente a Beleza… p. ex. Lawrence da Árabia…

As Revoluções em Tunis e agora no Cairo são o sinal de ressurgimento do futuro esplendor e da tolerância, da supremacia do saber e da inteligência!...

Este poema, Ode fulgurante ao Amor e à Beleza da Paixão, é também para o novo Egipto, que de uma forma ou de outra, iniciou o seu futuro, o futuro da Paz!...

Quando escrevi desconhecia ainda o desfecho. Hoje apenas reafirmo e saúdo o novo Egipto que (re)começa agora!

2 de fev. de 2011

Sophia...

Uma Vida de Poeta


Não sei se sobrevivo… mas sei que vivo intensamente o azul, vivo com forças renovadas na voz e nas palavras de Sophia… apetecia-me falar-vos dos cânticos do Coro Bizantino «Tropos»de Atenas e da música de Al Kindi Ensemble e Coro Munshiddin de Aleppo (Grande Mesquita de Omeyyad) e do sereno rodopio dos derviches -  o momento sublime de êxtase que vivi ontem na Gulbenkian - no espectáculo de Homenagem cristã e muçulmana a Maria, a convite do meu Amigo Eduardo Ramos. Nem mil livros nem levariam a sentir tão intensamente o sufismo, a perceber a causa que Ibne Quasî, abraçou - o místico guerrilheiro que tem estátua entre a mesquita e o castelo de Mértola, entre a meditação profunda e inimaginável e a revolução, também ela libertadora, quando vejo as imagens na televisão – que raramente vejo, em casa não uso – sobre a revolução nas ruas do Cairo … e percebo-o melhor nas palavras, pelas palavras de Sophia, da sede de justiça na Poesia… nas palavras que comecei a ler agonizante de tédio num hospital… e terminei há momentos num café, onde tomava a primeira refeição do dia , ou da noite, enquanto as imagens do Cairo e de Alexandria passavam…


Sei apenas que vivo intensamente perante esta bênção que me foi dada, e abro as asas feridas ao mundo, ao intenso, ao imenso fulgor da Vida, a plenitude urgente, necessária, imprescíndivel que sinto que tenho em mim e quero partilhar e receber com quem comigo quiser e souber voar até ao infinito… como as palavras sublimes de Sophia, que partilho:

A coisa mais antiga de que me lembro é de um quarto em frente do mar dentro do qual estava, poisada em cima de uma mesa, uma maça enorme e vermelha. Do brilho do mar e do vermelho da maça erguia-se uma felicidade irrecusável, nua e inteira. Não era nada de fantástico, não era nada de imaginário: era a própria presença do real que eu descobria .
Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre um círculo traçado à roda de uma coisa, um círculo onde um pássaro do real fica preso. (…) E é por isso que a poesia é uma moral. E é por isso que o poeta é levado a buscar a justiça pela própria natureza da sua poesia. E a busca da justiça é desde sempre uma coordenada fundamental de toda a obra poética.
(Palavras ditas quando recebeu o Grande Prémio de Poesia da SPE por Livro Sexto, em 1964)

A bordo do Atreus vi aparecer a ilha de Leuks. Depois passou um bando de golfinhos: um corria quasi à tona da água rente ao navio. Às 9 horas da manhã já estava no deck: como sempre que estou a bordo sinto-me elástico e com uma euforia especial. Brilho do sol sobre a água, mas liso. Navegávamos sem um balanço.Mar azul, céu azul, ilhas azuis enevoadas. Ítaca aparece e vai-se desenhando: verde até ao mar, despovoada quasi sempre.
Piso às 4 e meia a terra grega. Enseada maravilhosa à saída de Patras. Vamos rente ao mar entre oliveiras e ciprestes e montanha azuladas. Calor bom, ar perfumado. As montanhas ligam a terra ao Olimpo.

                     Sophia com 25 anos - foto de estúdio Comecei a escrever histórias para creanças quando os meus filhos tiveram sarampo. Era no inverno e o médico tinha dito que eles deviam ficar na cama, bem cobertos, bem agasalhados. Para isso era preciso entretê-los o dia inteiro. Primeiro contei todas as histórias que sabia. Depois mandei comprar alguns livros que tentei ler em voz alta. Mas não suportei a pieguice da linguagem nem a sentimentalidade da “mensagem”: uma creança é uma creança não é um pateta. Atirei os livros fora e resolvi inventar. Procurei a memória daquilo que tinha fascinado a minha própria infância. Lembrei-me de que – quando eu tinha cerca de 5 ou 6 anos e vivia numa casa branca na duna – a minha mãe me tinha contado que nos rochedos daquela praia morava uma menina muito pequenina. Como nesse tempo para mim a felicidade máxima era tomar banho entre os rochedos essa menina marinha tornou-se o centro das minhas imaginações. E a partir desse antigo mundo real e imaginário comecei a contar a história a que mais tarde chamei “A menina do mar”
     Os meus filhos ajudaram.




Perguntavam:
     - De que cor era o vestido da menina?
     - O que é que fazia ao peixe?
     Aliás nas minhas histórias para creanças quase tudo é escrito a partir dos lugares da minha infância.
(Texto inédito, sem data)

Comecei a escrever uma noite de Primavera. Uma incrível noite de vento leste e Junho. Nela o fervor do universo transbordava e eu não podia reter, cercar, conter – nem me podia desfazer em noite, fundir-me na noite.
No gume da perfeição, no imenso halo da líquida luz azul e transparente, no rouco da treva, na quase palavra de murmúrio da brisa entre as folhas, no íman da lua, no insondável perfuma das rosas havia algo de pungente, algo de alarme.
Como sempre a noite de vento leste misturava extasi e pânico.
Era a pré-história da minha juventude –o que escrevi era balbuciante, imerso em kaos – quis regressar à tona de mim própria – mas só pude regressar à tona das palavras. E toquei a larga linha de água.
(Texto inédito dos anos 80)

In JL, 26 de Janeiro a 8 de Fevereiro de 2011
A propósito da Exposição Uma Vida de Poeta, inaugurada na Biblioteca Nacional, a partir do espólio de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) e colóquio internacional decorrido na Fundação Gulbenkian a 27 e 28 de Janeiro