23 de fev. de 2010

Cantata para um velho Pai

Pai

                                          em 1955, com 19 anos

Pai, chove lá fora e oiço o Zeca no derradeiro Coliseu saído de um blogue por onde passei…


E penso como levei tanto tempo a conhecer a magia da música do Zeca, porque neste país cinzento de sessenta isso eram luxos, ouvir música, ter um gira-disco – ainda me lembro do primeiro que tive, o som era horrível mas para mim era um bênção divina – sim, eu sei, não havia música, não havia poesia… mas tu deste-me pai, tão cedo que… penso que comecei a nadar ao mesmo tempo do que a andar… deste-me esse contacto com uma parte imprescindível de mim, o mar imenso, ensinaste-me a nadar… e saborear o mar imenso, o mar de Sines, coisa que só os meninos ricos tinham acesso… eu sei que eles depois ficavam o mês inteiro em casas alugadas e eu tinha que voltar na automotora… mas era tão lindo, eu sentia-me tão feliz, queimadíssimo, vermelhíssimo na minha pele quase albina a refrescar-me com o suave som dos insectos, o coachar das rãs nos riachos, as libelinhas… era tão feliz nesse regresso a casa… talvez porque sabia que aquele era o meu mundo, fazia parte de mim para todo o sempre, era a consumação da paixão, o maior de todos os desejos, como se do corpo e da alma da mulher amada … como soube mais tarde quando uma parte do menino cresceu…


O país era cinzento mas eu não sabia… havia a horta serpenteada pela ribeira onde gostava tanto…  correr ao lusco-fusco e o olhar doce da menina do outro lado do mundo… vivia no paraíso… e havia o riso cristalino da mãe e o vosso olhar e os vossos corpos belos e jovens a olharem-se embevecidos, de desejo percebi mais tarde…


E tu, pai, nunca te tratei por tu, sabes isso… sempre lutador e jovial, quando eu era já demasiado grande para desconhecer o sofrimento, quando engordei rias-te carinhosamente de mim e desafiavas-me a acompanhar-te mas flexões, já maduro mas sempre pronto para correr, andar de bicicleta e eu às vezes a fazer das tripas coração para te acompanhar…


Só muito tarde, quase demasiado tarde descobri o teu mundo poético, a tua grande sensibilidade, a tua capacidade única de poeta repentista, milhares de versos – quadras, sextilhas , décimas - e alguns tão bonitos, como os que fazias à mãe no dia do aniversário dela… ou aquelas quadras que fizeste um dia num lançamento dum livro na Casa do Alentejo, dos mais belos que fizeste… lembras-te?


Hoje sei que te dei uma noite de aniversário diferente, talvez como nunca tinhas tido… apetecia-te ter ficado horas e horas eu sei… até cantámos a despique, eu, tu e o Naia - que num acto de grande amizade fez um sarau com os teus poemas -, sei que não te levei todas as pessoas que gostava mas… o mundo não é perfeito…


Tu estavas tão feliz! Eu estava feliz, por ti, e… estava triste… triste por o mundo não ser perfeito… triste por a doença e a velhice serem irreversíveis e tu, melhor que ninguém saberes isso… e te sentir frágil como te senti ontem, frágil e a precisar de protecção como eu quando tinha dois anos, três anos, e dançava, dançava – sabia já sem o saber que podia ser dono do mundo porque já era então um pássaro – mas depois ficava cansado e adormecia aninhado nos teus braços, ou quando ficava doente e tu me levavas ao médico, ao colo.
E ontem senti-me impotente de não poder repartir contigo a minha liberdade de pássaro, o meu poder imenso de flor de esteva e plenitude de papoila e a capacidade de ser sol e iluminar a vida e amar apaixonadamente e fazer imensamente feliz quem tem a capacidade de comigo partilhar a liberdade dos pássaros!


Gosto muito de ti, pai!

20 de fev. de 2010

20 de Fevereiro - o início








A Pergunta







Amor, uma pergunta minha


dilacerou-te.






Regressei a ti


da incerteza com espinhos.






Quero-te direita como


a espada ou o caminho.






Mas tu insistes


em manter uma curva


de sombra de que não gosto.






Meu amor,


compreende-me,


quero tudo o que é teu,


dos olhos aos pés, às unhas,


por dentro,


toda a claridade, que escondias





Sou eu, meu amor,


quem bate à tua porta.


não é um fantasma, não é


o que um dia parou


à tua janela.


Eu deito a porta abaixo:


eu entro na tua vida:


venho viver na tua alma:


tu não podes comigo.






Tens que abrir todas as portas,


tens que obedecer-me,


tens que abrir os olhos


para eu os observar,


tens que ver como ando


com passos pesados


por todos os caminhos


que, cegos, me esperavam.






Não tenhas medo,


sou teu,


mas


não sou viajante nem mendigo,


sou o teu senhor,


aquele que esperavas,


e agora entro


na tua vida


para não mais sair,


amor, amor, amor,


para ficar.


                     Pablo Neruda
                Os Versos do Capitão



 


17 de fev. de 2010

Invictus ou Cien Sonetos de Amor

INVICTUS

 
Este filme estreou em: 29 de Janeiro de 2010


Invictus acompanha o período em que Nelson Mandela (Morgan Freeman) sai da prisão em 1990, torna-se presidente em 1994 e os anos subsequentes. Na tentativa de diminuir a segregação racial na África do Sul, o rugby é utilizado para tentar amenizar o fosso entre negros e brancos, fomentado por quase 40 anos. O jogador Francois Pienaar (Matt Damon) é o capitão do time e será o principal parceiro de Mandela na empreitada.


- 32º longa de Clint Eastwood como diretor.


- Este é o oitavo trabalho de Eastwood com o músico Kyle, seu filho. Este já assinou a trilha ou compôs canções para Gran Torino, A Troca, A Conquista da Honra, Cartas de Iwo Jima, Sobre Meninos e Lobos, Menina de Ouro e Rookie - Um Profissional do Perigo.


- Baseado no livro de John Carlin.


PRÊMIOS

- Indicado ao Globo de Ouro de Melhor Direção (Clint Eastwood), Ator (Morgan Freeman) e Ator Coadjuvante (Matt Damon) em 2010.



- Recebeu duas indicações ao Oscar: Melhor Ator (Morgan Freeman), Melhor Ator Coadjuvante (Matt Damon)



FICHA TÉCNICA

Diretor: Clint Eastwood

Elenco: Morgan Freeman, Matt Damon, Scott Eastwood, Langley Kirkwood, Robert Hobbs, Tony Kgoroge, Jason Tshabalala, Bonnie Henna, Grant Roberts, Patrick Holland, Patrick Mofokeng, Moonsamy

Produção: Clint Eastwood, Robert Lorenz, Lori McCreary, Mace Neufeld

Roteiro: Anthony Peckham

Fotografia: Tom Stern

Trilha Sonora: Kyle Eastwood , Michael Stevens

Duração: 133 min.

Ano: 2009

País: EUA

Gênero: Drama

Cor: Colorido

Distribuidora: Warner Bros.

Estúdio: Warner Bros.

Classificação: 10 anos


Este filme fala-nos, através dum poema "Invictus", a "tábua" onde Mandela se confortava nos momentos mais difíceis no longo cativeiro nas prisões duma África do Sul onde dominava o ódio e... o medo do outro. Uma África do Sul que Nelson Mandela mudou completamente com o mais poderoso de todos os poderes e... talvez o mais frágil, porque o mais sensível de todos: o Amor.

Para os Amantes do Amor, para os que estão no mundo pelo Amor e para o Amor, para os que Amam apaixonadamente, sem receio ou orgulho, e também para os que ainda não subiram esse degrau, por medo, insegurança, comodismo materialista... mas que o anseiam bem no fundo da sua alma, para esses também...  porque o Amor deve ser imenso, partilhável também com os infelizes... que não devem ser excluídos... para que um dia possam ascender ao Amor infinito...



Para vós este poema de Pablo...

Pablo Neruda, o Poeta do Amor...

Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
amo-te como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Amo-te como a planta que não floresce e leva
dentro de si, escondida, a luz daquelas flores,
e graças ao teu amor vive escuro em meu corpo
o estreitado aroma que subiu da terra.

Amo-te sem saber como, nem quando, nem de onde,
amo-te directamente, sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

a não ser deste modo em que não sou nem és,
tão perto que a tua mão sobre o meu peito é minha,
tão perto que se fecham os teus olhos com o meu sono.

                                                                 Cien sonetos de Amor


9 de fev. de 2010

Se estivesses aqui era feliz! Festa da viola campaniça em Amoreiras

No passado dia 6, sábado, foi dia de festa em Amoreiras-Gare. O Grupo “Cantares da Serra de S. Martinho das Amoreiras” apresentou o seu novo CD As nossas modas Cante ao Baldão Cante ao Despique Violas Campaniças. A sessão teve lugar no Salão do Centro Social de Amoreiras-Gare e depois de um almoço de umas suculentas sopas de grão, iniciou-se com a intervenções de autarcas e dois especialistas em viola campaniça, José Alberto Sardinha e José Francisco Colaço Guerreiro, o Presidente do Município, apresentado pelo infatigável e alma da iniciativa, o amigo Antero Silva. Na assistência, estavam entre outros, o Presidente do Município de Castro Verde e o amigo António Camilo, que até Setembro liderou os destinos de Odemira.


Depois das intervenções seguiu-se a música, ou melhor o cante e o canto, isto é, desde o grupo anfitrião, o amigo Pedro Mestre e o seu Grupo de Violas Campaniças ou o Mestre Manuel Bento, entre outros, mas também Francisco Fanhais, que na sua voz inconfundível nos trouxe a magia de Sophia de Mello Breyner com“Porque”, ou o jovem Paulo Ribeiro, que com um registo diversificado e de grande subtileza cantou Almutâmide, Ibne Amar e temas de sua autoria.









cante, o canto… e a poesia...







No meio de muito poetas, coube-nos a nós, em parceria com Maria Vitória Afonso, o seu esposo Amadeu e o amigo José Orta divulgar a futura “Nova Antologia de Poetas Alentejanos”, a nós e ao Paulo que disse um poema de José António Chocolate Contradanças. “Dissemos” oito poetas, para além dos presentes e do José António: Francisco Naia, José Luís Peixoto, Maria Lascas e Vítor Encarnação.



A festa entrou pela noite dentro e se pecou foi só por excesso pois alguns poetas populares já não tiveram oportunidade de dizer os seus poemas. Aconteceu com José Carrilho Raposo, que nos possibilitou a publicação das quadras feitas para o efeito - as últimas feitas no local, porque de um poeta repentista se trata.


A Estação das Amoreiras


É uma terra tão gira
É de todas as mais porreiras
Do concelho de Odemira


É terra de gente boa
Carinhosos e hospedeiros
Acolhem sinceramente
Todos os seus forasteiros

Nesta terra maravilhosa
Do nosso querido Alentejo
Toda a gente está vaidosa
Neste tão belo festejo

Aqui se canta alentejano
Seu belo grupo coral
Praticam todo o ano
Seu instinto cultural

E a viola campaniça
Nesta área é vital
Que o seu vibrar nos cobiça
A única em Portugal

E o despique e o baldão
Um cante que tinha pernas
Se cantava ao balcão
Aos domingos nas tabernas


O cante mostra a cultura
Dum povo, da sua terra
A humildade e bravura
Da vila, aldeia ou na serra

Tal como a poesia
Que o poeta em voz calma
Declama com ousadia
Aquilo que lhe vai na alma

Porque a cultura dum povo
Também se faz a cantar
Eu venho do Pinhal Novo
Com a poesia popular




O cante, o canto e a poesia no mesmo palco.



“Eu sou campaniço tal como vós. (…) podem contar connosco, os que partimos há mais de quatro décadas, mas estamos sempre presentes. Porque a nossa Alma é Alentejana”


Houve momentos de grande emoção, como este em que pisávamos o mesmo palco que os Amigos Fanhais, Pedro Mestre, Paulo Ribeiro…



Houve momentos de grande beleza!


Houve momentos em que pensei, gritei mentalmente a plenos pulmões:


Se estivesses aqui era feliz!




e termino com dois poemas de José Luís Peixoto. Dois poemas de Amor...


A Verdade

tu és bonita.
tu és feita de sol.
eu amo-te.



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este livro. Passa um dedo pela página, sente o papel
como se sentisses a pele do meu corpo, o meu rosto.


este livro tem palavras. esquece as palavras por
momentos. o que temos para dizer não pode ser dito.


sente o peso deste livro. o peso da minha mão sobre
a tua. damos as mãos quando seguras este livro.


não me perguntes quem sou. não me perguntes nada.
eu não sei responder a todas as perguntas do mundo.


pousa os lábios sobre a página. pousa os lábios sobre
o papel. devagar, muito devagar. vamos beijar-nos.




                           (in A Casa, a Escuridão, Temas e Debates, 2002)

3 de fev. de 2010

É tão lindo o Alentejo!...




É tão lindo o Alentejo!...



No dia 2 de Fevereiro de 1975 iniciava-se a Reforma Agrária com a ocupação da Herdade da Picota no Concelho de Montemor-o-Novo.

Precisamente há 35 anos.

E se foram cometidos erros, atitudes menos correctas e até oportunisticas, injustiças que prejudicaram pequenos agricultores, rendeiros, seareiros, esses aspectos negativos que também caracterizam um processo revolucionário, tudo isso não apaga, não mancha essa grande transformação que se designou por Reforma Agrária e que aconteceu nos campos do Sul e que, como nos dizia ontem Custódio Gingão, de Foros de Vale Figuera, Montemor-o-Novo - que em 1976 foi eleito deputado pelo Círculo de Évora em representação dos assalariados rurais:
 "A Reforma Agrária não só pôs fim ao desemprego nos campos, como aumentou a produção agrícola, mas também possibilitou a introdução de novas tecnologias provocando o aumento de produtividade. Foram 1.100 mil hectares de terra a produzir, o que nunca tinha acontecido antes. A melhoria de vida repercutiu-se no comércio local, nas oficinas de maquinaria para a lavoura, em toda a economia.
E nessa altura não havia água no Alentejo. A Reforma Agrária foi destruída para servir interesses de outros países comunitários e ninguém apresentou alternativa à Reforma Agrária. Hoje os campos estão abandonados, os montados estão decapitados, não se produz, o absentismo voltou aos campos, vive-se à base de subsídios, da caça e da cortiça. Enquanto os agricultores espanhóis recebem subsídios para produzirem mais, em Portugal distribuem-se subsídios para não se produzir."



Uma relação equilibrada com a Natureza, uma postura humanista em que o lucro rápido, o dinheiro a todo o custo não seja o pão nosso de cada dia - e que em último análise poderá ser o caminho para perservar a continuidade da espécie humana neste belo planeta, mas por vezes tão maltratado, passa pelo respeito pela Natureza e pela Vida de todos os séries vivos, onde uma agricultura harmoniosa é essencial para preservar uma paisagem humanizada que existe há tantos milénios e que corre o risco de estar em risco nas próximas décadas.

A nossa alternativa pela preservação da Vida na Terra passa também por ouvirmos os ensinamentos destes Homens como o Custódio Gingão, como o Mestre José Salgueiro, como outros, que muito podem contribuir com a sua sabedoria para que as próximas gerações possam continuar a dizer:
 É tão lindo o Alentejo! 

Nós, os que Amamos o Alentejo, que Amamos a Beleza, que Amamos a Terra, temos o dever e o direito de possibilitar que a sua mensagem humanista chegue a todos as crianças, a todos os jovens!
Aceitam o desafio?!...

É tão lindo o Alentejo...