31 de jan. de 2011

Princesa do vento...


 ... vejo-te nas ondas quando caminho no paredão. O teu rosto sorrindo-me, reflectido no azul. Os teus olhos de Aladino, a tua voz de cristal a chamar-me… de súbito sinto-te  subindo do murmurar das ondas, sereia de corpo inteiro: teus cabelos, teus pés, teus joelhos,  teus seios, tuas mãos que me afagam, tua pele de cetim abraçando-me…  menina do mar, feiticeira das marés, Princesa do vento, levas-me contigo até ao infinito!.... levitando no paraíso… e quando o mar serena regresso à tristeza da ausência do teu olhar…

24 de jan. de 2011

A magia aconteceu em Beja!...

Na evocação dos 970 anos do nascimento de Almutâmide





Escrevo-vos com um a grande serenidade na alma.


Vivemos momentos mágicos em Beja neste fim-de-semana.


Logo na sexta-feira, na Mesa-Redonda realizada na Biblioteca de Beja, que se prolongou muito para além da meia-noite, fosse com as excelentes intervenções dos arabistas – convidados – Cláudio Torres, Adel Sidarus e Adalberto Alves –ou com o debate proporcionado por um público entusiasta e com sede de saber mais sobre Almutâmide – Poeta de Beja, Poeta do Mundo, e sobre esse belo e perene período da nossa História e da nossa Poesia.


Quando saímos para enfrentar uma noite gélida, sentíamos, com emoção, que aquela noite muito nos tinha enriquecido.


No sábado, ponto alto e derradeiro da Festa Almutâmide da Poesia, viveram-se momentos de grande intensidade e emoção.


Antevimos a magia prestes a acontecer, quando por breves momentos descansávamos - entre o ensaio da tarde e o ensaio geral e enquanto se fazia o ensaio de som com os músicos - e sentimo-nos transportados, nas asas de um pássaro, de Beja até Agmat - onde Almutâmide e a doce Princesa Itimade nos sorriam.


Poucos minutos antes das 10 da noite, quando na boca de cena do palco do Pax Julia, dávamos início ao espectáculo, logo sentimos um ambiente de grande emoção que nos transmitiam as mais de 200 pessoas que quiseram estar connosco provavelmente na noite mais fria do ano .


Foram momentos mágicos!


Foram momentos únicos!


Percebemos de imediato que tinha válido a pena o trabalho até quase à exaustão das últimas semanas para realizar esta suave evocação de Almutâmide. O nervosismo inicial dissipou-se como que por magia e cada actuação – musical, de dança, de poesia, performativa – era vivido pelos protagonistas com um prazer imenso e recebido calorosamente por toda a assistência.


A bela e grande sala do Pax Julia era suavemente inundada de jasmim e de pétalas de rosa!...


E nem mesmo a complexidade de um espectáculo muito diversificado com 9 pessoas que passaram pelo palco diversas vezes, as mudanças de palco com os inevitáveis “espaços mortos” que me levaram a voltar à boca de cena para partilhar aspectos da vida e da obra de Almtâmide – enquanto a equipa técnica, por detrás do pano, instalava o equipamento para a actuação musical seguinte - nada quebrou a magia.


A emoção era tanta que por vezes receávamos que a voz se nos embargasse.


Eduardo Ramos com Baltazar Molina na percussão árabe, Paulo Ribeiro acompanhado por Valter Rolo no piano e Fernando Pardal com Alex na guitarra eléctrica proporcionaram uma diversidade de registos e de interpretações de que resultou numa fulgurante beleza , entrecortados pela subtileza da Elsa Sham´s dançando as lendas ou os poemas dançados e ditos, e as breves performances onde contracenámos com António Dias da Silva.


Nem a Poesia de Martinho Marques , “Alentejo”, foi olvidada ”, nas vozes bem timbradas do Paulo e do Fernando , ou o improviso final, um tema do Cancioneiro tradicional alentejano – ensaiado poucas horas antes – pelos três interpretes ao som do alaúde perfumado do Eduardo.


A abnegação e o envolvimento da equipa técnica do Pax Júlia foi decisiva, que trabalhou ininterruptamente mais de 12 horas para possibilitar o êxito do espectáculo.


Foram quase duas horas de magia!


À meia-noite, todos nós, os participantes em palco, já nos camarins, estávamos imensamente comovidos e todos sentíamos e dizíamos: - Isto é para continuar! Este espectáculo tem imenso potencial!, o que era corroborado pelos muitos amigos, que comovidos nos vinham abraçar e saudar.


Momentos muito envolventes continuados no convívio na “Galeria do desassossego”, onde mais e mais amigos nos vinham testemunhar a emoção vivida também na plateia.


A magia aconteceu em Beja!


(esperamos em breve partilhar imagens do espectáculo)

16 de jan. de 2011

Festa Almutâmide da Poesia - Evocação do Poeta bejense na passagem dos 970 anos do seu nascimento

             Convite

 às/aos Amantes da Poesia
e da Beleza...




Almutâmide - O Príncipe dos Poetas

de Beja a Agmat


Almutâmide Ibne Abbade, (Beja–1040/Agmat-1055) é considerado o mais importante poeta da segunda metade do século XI no Garbe al-Andalus, num período excepcionalmente rico ao nível da criação poética, de entre cerca de 40 excelentes poetas que viveram nesse período.

Terá nascido na Casa dos Corvos, perto onde se situa o Cine-Teatro Pax Julia. Aos 13 anos instalou-se em Silves, onde viveu até aos 28 anos, período muito rico de criação literária, marcado pela exaltação dos sentidos e dos sentimentos. Foi quando conheceu a futura princesa Itimade e o seu maior amigo, o grande poeta Ibne Amar.

O seu breve reinado de 22 anos em Sevilha, designado por “Século de Almutâmide”, protagonizou o apogeu civilizacional que deu continuidade e superou as cortes califais de Damasco, Bagdade e Córdova, onde as Ciências, a Filosofia, as Artes, as Letras, a Música e a Poesia eram protegidas e honradas.

Com a tomada do al-Andalus pelos Almorávidas, é desterrado para Agmat em 1091, onde morre, quatro anos depois, no meio do maior sofrimento, miséria e tristeza.

Hoje descansa num mausoléu com Itimade e uma das suas filhas, onde é visitado e venerado pelos amantes da Poesia de todo o mundo.

Almutâmide é um símbolo de uma época onde personifica o Príncipe renascentista avant la lettre: Poeta, rei, amante, cultor das artes, das letras, da Beleza. Mas é também a marca da perenidade, pois os quase mil anos que nos distanciam de Almutâmide são apenas um breve “parêntesis”; ao lermos a sua Poesia percebemos que estamos perante uma vertiginosa “aventura poética”, de que é símbolo e protagonizou com outros grandes poetas seus contemporâneos (como Ibne Amar, Ibne Sara, Ibne Bassame, Ibne Darrague, Ibne Abdune, entre muitos) que nos “falam”do que nos é familiar, do que sentimos, vivemos, do Sol e do luar e nos iluminam e encantam; sentimos a sua respiração, comem connosco à mesa, bebem connosco o vinho da fraternidade e da exaltação dos sentidos.

Com esta evocação da passagem dos 970 anos do nascimento de Almutâmide em Beja, propomo-nos assumir esta nossa matriz identitária mediterrânica milenar, resgatando do fundo da Memória este nosso património intangível latente nas soleiras das nossas casas do Sul, nas cores azul e ocre, no silêncio, nos cheiros, nos sabores, no triangulo feito do Pão, Azeite e Vinho.

Esta será uma primeira realização, a que esperamos dar continuidade, num âmbito mais alargado e diversificado, devolvendo à comunidade, valorizando-o este riquíssimo património.

É tempo de fazer de Beja a Capital da Poesia, resgatar a antiga Pax Julia romana e a Baja islâmica, posicionando-a na perspectiva de uma centralidade cultural no País, na Península e no mundo Mediterrânico.

                                                                                                                          Eduardo M. Raposo



O Vinho


a noite lavava as sombras
das suas pálpebras com a aurora,
ligeira corria a brisa.


bebemos vinho velho, cor de rubi,
denso aroma, suave corpo.



Saudação a Silves


viva Abû Bakr!
saúda por mim, asinha, 

os queridos lugares de Silves
e diz-me se deles a saudade
é tão grande quanto a minha.




saúda o palácio dos Balcões
da parte de quem não esqueceu.
a morada de gazelas e leões,
salas e sombras onde eu
doce refúgio encontrava
Entre ancas que lá achava
e bem tão estreitas cinturas.


moças níveas ou escuras
atravessavam-me alma
como brancas espadas
ou lanças aceradas.
ai quantas noites fiquei,
lá no remanso do rio,
nos jogos d'amor m'embaracei
com a da pulseira curva
igual aos meandros da água,
sem ver o tempo passar…


bebia vinho, sem mágoa:
o vinho do seu olhar
às vezes o do seu copo
e outras o da boca.




tangia-me cordas de alaúde:
minh'alma ficava louca
como se ouvisse crispados
tendões de colos cortados.


e se retirava as vestes
mostrando encantos de amor,
era um salgueiro prestes
a abrir o seu botão
para me mostrar a flor.



(Versões de Adalberto Alves)


12 de jan. de 2011

O voluptuoso encontro dos seres libertos...

No primeiro dia do ano, quando me recompôs da tertúlia báquico-poética da noite anterior li um livro, o primeiro livro do ano – um livro de Poesia.


Trata-se do maçã de Adão, o último trabalho poético do meu patrício Vítor Encarnação, residente em Ourique.

Depois do magnífico maturação, publicado em finais de 2008.

Mas sobre este anterior, belo fresco: “viagem em forma de poema pelo universo feminino, desde a puberdade até… ao infinito… Vítor Encarnação (re)afirma-se, com este trabalho, um caso sério da poesia portuguesa. Parabéns.” Escrevíamos no Outono de 2009 na revista Memória Alentejana:



(…) feito de conhecimento e uma capacidade surpreendente do uso da palavra, de cada letra, que nos cria imagens poderosas, (…)a palavra certa, o som certo, o ritmo certo, por vezes vertiginoso. E, se a isso acrescentarmos o universo feminino, a volúpia do desejo, jovem mas esmagador, que deixa os homens boquiabertos, incrédulos na miragem do paraíso em forma de mulher, que, triunfante, passa por eles, encostados às paredes

(…)

Mas ela passa por eles
como uma águia,
alta de mais
para gente de pasto.
A sensualidade
amadurece,
amadurece
e esmaga.
A roupa sublinha o corpo,
cola-se aos movimentos,
fez eco dos contornos,
decalca a carne.
As meias de rede
enredam os homens,
olhos ficam presos nos anzóis
das coxas,
assobios resvalam nas nádegas,
piropos entram-lhe nos ouvidos
como cotonetes de fogo.

(…)

Ou a mulher madura, voluptuosa em toda a sua languidez, que gosta de saborear e ser saboreada com todo o tempo do mundo, até porque...

Um homem apaixonado
por uma mulher feita
gosta de vinho tinto.


Porque ele sabe que essa mulher feita tem o universo dentro de si, o seu corpo é feito do saber ancestral, ela é a feiticeira do seu amante…

(…)

E ela é encorpada
os olhos são de vidro
verde quente, tem odor a
frutas maduras,
e os lábios são uvas carnudas
que ela pisa com os dele
para fazer saliva.
Bebe-a lentamente,
saboreia a complexidade
dos amoras na boca,
sente-a a entrar no sangue,
a dar-lhe cor,
a chegar ao cérebro,
a ficar tonto,
a ficar alegre,
a ficar feliz,
a rir.
(…)



Este contraponto poético de Vítor Encarnação inicia:
O princípio do homem é a carne.
É ela que descasca a pele da inocência.

Fazendo o percurso da criança em direcção à sua sexualidade, vamos saboreando uma sequência de poemas como se de um único se tratasse, até à adolescência onde...

Para ele é uma encruzilhada.
Para um lado o desejo físico.
Para outro o medo do físico.

por entre o desejo do novo, das experiências físicas e o porto de abrigo da palavra poética...

Podiam vir as moças todas
que ele tinha palavras para elas.
e elas vinham
assombrosas,
etéreas,
sonhadas,
desejadas.
Vinham com o cheiro dos outros,
as línguas dos outros,
as mãos dos outros,
os braços dos outros.
E elas vinham com mel nos ouvidos,

e depois da descoberta, a vontade louca de percorrer o universo, todo o universo feminino, até ao infinito, onde...

As mãos são cavalos selvagens
a pular cercas de botões
e fechos de correr
dando coices de veludo
com os lábios,
(...)
E os cavalos selvagens
cravam as esporas
das unhas nas costas
e cavalgam loucamente
a par,
e o hálito quente
sopra-lhes
nas crinas

 mas ele também descobre que...

A paixão é uma andorinha que quer
voar em Dezembro
como se voa na Primavera

E depois de muitas luas quando já sabe que...

Uma mulher apaixonada
por um homem feito
gosta de chocolate negro.

mesmo quando um dia acorda e descobre-se velho, demasiado velho e dá-se conta
do...

O tempo útil de emoções foi tão curto.
Perderam-se horas
e dias
e anos
matutando,
matutando,
os egoísmos silvando
na noite como cobras frias,
esperando que a mão do outro
viesse,
com dedos de sol,
enxugar a tristeza do rosto,
esperando que os braços do outro
fossem uma ponte
estendida
entre as almofadas
para não morrerem afogadas
na fundura do quarto.

Este homem lembra-se de fazer
a transumância ascendente dos beijos
desde o sopé das pernas,
passando pelos socalcos das coxas,
pelo declive do ventre,´
pelo planalto do peito
até ao cume da saliva
e lembra-se de depois fazer a transumância
descendente de um rebanho de dedos esfomeados.

Agora é um pastor
de memórias bravas
sem bordão que as faça voltar.

já não tem medo, é demasiado velho, e com o seu sorriso de menino apenas sente tristeza de não ter sido melhor, de não ter lutado mais ... por ela... por tudo... mas ele era apenas um maltês da Vida, ninguém e o infinito, entre o universo e o seu palácio de vento... e o dinheiro ainda compra a infelicidade...mas, apesar de tudo, ele ainda não desistiu, porque sabe que a palavra impossível não habita o seu léxico ...

Mas se os pássaros que regressam
o levassem de volta,
ele ia à procura do princípio
e levaria as algibeiras da alma do desejo
para dar de comer às pombas
que se recusaram a poisar nas suas mãos
outrora vazias de milho.

um belo livro!
Parabéns Vítor Encarnação!...

2 de jan. de 2011

2011: Vinho tinto e pétalas de rosa...

Ao som da amizade fraterna comecei o ano de 2011.
Depois de uma breve passagem pelo espectáculo do "Baile Popular", onde dancei com o Roque, e depois da alguma tristeza... voltei  de novo a Cacilhas onde encontrei o Paulo Ribeiro, o João Monge e outros amigos e conheci um espaço vinico-convivial acolheredor de um companheiro de Montemor.
Acabámos no meu "Palácio de Vento", lugar onde só as pessoas especiais têm acesso, por entre cantigas a solo e à capela na voz única do Amigo Paulo Ribeiro interpretando os seus temas e poemas, interpretados ou ditos (e saboreados) de Almutâmide.... ou a ele dedicados... como estes que foram publicados na Antologia Os Dias do Amor - coordenação e recolha de Inês Ramos (para quem, em Cabo Verde, envio um abraço) Ministério dos Livros, 2009.

Vieste ver-me ao
anoitecer.
Trazias Almutâmide
no olhar.
O menino triste sorriu
e fez para ti um traço azul...
um traço de silêncio
de Beja
a Agmat.
Vieste ver-me ao
anoitecer
e partiste comigo no teu olhar...
                                                                         Eduardo M. Raposo
 


ou est'outro, da mesma Antologia,
de Maria José Lascas Fernandes

Amo-te

Amo-te!
leva escrito na janela
o comboio que percorre a campina
nem o sol é tão poderoso!

insignificante o florir das mimosas
o voo das garças o cio dos alazões...