2 de jul. de 2020

Buñuel no Nimas viajou até à Margem Sul

Buñuel no Nimas viajou até à Margem Sul
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O Cinema Nimas, do grupo Medeia Filmes, tem vindo a dedicar a 2ª fase de um ciclo ao realizador espanhol Luís Buñuel, desde 10 de Junho e que termina no próximo dia 8 de Julho, exibindo cópias digitais restauradas de 10 dos filmes mais paradigmáticas deste grande cineasta surrealista. Ao longo destes 24 dias estes filmes têm ocupado, nalguns casos a totalidade da programação diária no Nimas, que foi um dos primeiros cinemas a reabrir em Lisboa, logo no inicio do mês que terminou ontem, onde ainda a maioria dos cinemas se mantêm encerrados. Esta 2ª fase do ciclo Buñuel, ciclo iniciado no Outono de 2019, estendeu-se ao cinema Campo Alegre, no Porto e as outras cidades. Eu, cinéfilo sempre que posso, venho um belo fim de tarde, depois de assistir à projecção cde "O Anjo Exterminador", a p/b, (México, 1962), profundamente imbuído do espírito buñuelesco atravesso a ponte a dirigo-me às bombas de combustível no Almada Fórum, onde assisto/participo o seguinte diálogo.
Devido ao écran da bomba não estar a funcionar, reporto delicadamente à senhora da caixa, que me questiona:
- O senhor usa óculos graduados?
- - Sim… mas, respondo balbuciando incrédulo...
O senhor usa óculos graduados? repete a senhora. E, muito senhora de si.
- É que com óculos graduados o senhor não consegue ver o écran, remata a senhora, com uma segurança que não permite qualquer dúvida.
Mesmo assim, atrevo-me a a tentar explicar que os óculos graduados é exactamente para ver bem o écran, que uso há décadas e sempre vi o écran, etc.
Peremptória a senhora da caixa, esclarece, de novo.
O senhor usa óculos graduados. É por isso que não vê o écran.
Abalo incrédulo, quase em choque… mas alguns segundos depois percebo tudo.
Buñuel tinha viajado até ao Almada Fórum - não ao cinema mas às bombas de combustível. Se fez o percurso pela Ponte 25 de Abril, de comboio ou de barco, isso não sei... mas que viajou não tenho dúvidas.
Até dia 8, Buñuel no Nimas. Cinema que tem também em exibição o ciclo de cinema japonês o "Roman Porno".
Vá ao cinema… em segurança!


O Trabalho, o Capital… e o Futuro?

Em tempos de pandemia
O Trabalho, o Capital… e o Futuro?
Antes de mais importa contextualizar, neste planeta a sofrer agora e de forma mais acentuada do que há um mês, os efeitos trágicos da pandemia.
Um pouco pela Europa, mas também pelo mundo – salvo variações com laivos autoritários como na própria Europa, dos regimes autoritários da Polónia e na Hungria – vemos os governantes a cerrar fileiras, assumindo o Estado a coordenação e a “defesa” dos cidadãos, através dos serviços públicos de saúde, num combate por vezes terrível – como aconteceu em Itália e posteriormente em Espanha, revelando-se lideranças à altura das circunstâncias: a resposta do Estado Social.
Por outro lado, no campo oposto surgem os líderes de dois importantes países: os EUA e o Brasil. Do país “mais poderoso” do mundo, um indivíduo caricato, gabarolas, com total incoerência, qual boneco animado, em permanente show televisivo, enquanto a epidemia já ultrapassou os 58 mil mortos registados com a traumática guerra do Vietnam - e seria bem pior não fosse os governadores dos Estados face à inoperância do governo federal. Extremamente arrogante com os jornalistas, com as sugestões perigosamente imbecis como a de matar o vírus ingerindo lixivia e com um ego tal que chegou a acusar a China de ter inventado o COVIT-19 para ele não ser reeleito presidente.
No meio da crise deixo um abraço à comunidade lusodescendente, nomeadamente de Fall River e aos Portuguese Kids, que diariamente divulgam a identidade cultural portuguesa.
Outra figura sinistra também do continente americano, personifica um tempo que se julgava definitivamente ultrapassado, mas segundo a antropóloga e historiadora brasileira Lilia Schwarcz – autora de “Sobre o Autoritarismo Brasileiro” – “Jair Bolsonaro não é um fenómeno estranho na evolução do país, mas um representante de uma certa forma de pensar, sobretudo, de mandar que se pensou estar a perder força desde o fim da ditadura nos anos 1980, mas que estava apenas à espera do momento certo para regressar em força”. Um poder das famílias tradicionais que remontará ao modelo das capitanias donatárias hereditárias da colonização portuguesa, “um mandonismo” – que “acumulavam numa família os poderes político, económico, religioso e cultural”, expressivo com os “coronéis” no século XIX e que em pleno século XXI regressa em força. E o racismo que a escravatura – só abolida em 1888 – deixou marcas e profundas desigualdades, que a pandemia veio dar mais expressividade, como o gravíssimo ataque às populações indígenas.
Abandonado por políticos que o apoiaram e o seguiram e hoje são seus grandes opositores, de sectores da direita moderada, Bolsonaro hoje tem o apoio limitado à extrema-direita e não se cansa de invocar a possibilidade de uma intervenção militar.
São estes dois presidentes de dois maiores países do continente americano, exemplos da expressão populista e se o “Governo Bolsonaro é um governo de raiz autoritária, retrógada”, Trump não lhe fica atrás na sua postura egocêntrica de estar acima de lei. Temos assim o “cowboy-pistoleiro, do velho Oeste”, que faz a sua própria lei e que quem hoje lhe rende inteira obediência pode amanhã cair em desgraça, enquanto para o amigo do Sul a lei só existe para proteger o clã familiar… da própria lei.
No nosso país, paralelamente a um esforço coordenado pelo Estado, eficaz e com frutos contra a pandemia, vivemos entre a hipocrisia da promiscuidade entre deputados e futebol e o “deputado-comentador-consultor fiscal”, com a sede do poder e com tal necessidade de dar nas vistas que propõe um “plano de confinamento específico” para a comunidade cigana. Os ciganos não devem ser discriminados: têm direitos e deveres como todos. Como tal as forças de segurança têm de fazer cumprir a lei em “Estado de Excepção” como recentemente vivemos e quem transgride não pode ficar incólume, seja quem for. Num Estado de Direito não se pode permitir o racismo, mas a lei tem que ser cumprida por todos.
Face aos 113 milhões de europeus em risco de pobreza e exclusão social e 25 milhões que vivem abaixo do limiar da pobreza, só na Europa, a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, com a implementação de um rendimento mínimo europeu, defendido pelos ministros do Trabalho, Solidariedade e Políticas Sociais de Portugal, Espanha e Itália, respectivamente Ana Mendes Godinho, Pablo Iglesias e Nunzia Catalfo, será um passo importante.
As comemorações do 25 de Abril em casa e circunscritas ao mínimo no Parlamento pelos representantes do povo e as do 1ª de Maio na Alameda foram em países diferentes? Se o cidadão normal, que trabalha, paga impostos – e até paga a quota do sindicato – ficou confinado ao seu concelho, como foi possível sindicalistas viajarem para Lisboa? A democracia, a liberdade tão duramente conquistada, que custou tanto sofrimento, vidas desfeitas, mortes, antes de 1974, não pode pactuar com os novos privilégios, com novas corporações, que estão acima da lei, seja a comemorar o 1º de Maio com mil pessoas ou em casamentos ciganos com 300 pessoas.
E se há sindicatos que nos merecem o respeito dos portugueses – casos da FENPROF, SPGL, só para dar dois exemplos – outros infelizmente servem interesses e agendas estranhos aos trabalhadores que deveriam dignamente representar. Tal só conduz ao descrédito do sindicalismo e da democracia; esta realidade adicionada ao “fechar os olhos” ao não cumprimento da lei por muita da comunidade cigana só abre espaço às propostas neofascistas do populismo de extrema-direita, que espreita, pronta a atacar, em Portugal e no mundo.
25 de abril, sempre!
Viva o 1º de Maio!
(Artigo publicado na "Folha de Montemor", edição de 15 de Maio)
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