16 de abr. de 2020

Morreu Luís Sepúlveda, "o mais 'português' dos escritores latino-americanos'

Morreu Luís Sepúlveda!

 
A notícia chega como uma bomba… como é possível?...

Luís Sepúlveda "o mais 'português' dos escritores latino-americanos', como é referido num dos muitos títulos que as Edições ASA editou deste que é um dos meus escritores preferidos.
Não tive o privilégio de me ter cruzado com Luís Sepúlveda mas sempre senti uma grande afinidade com este cidadão do mundo, defensor da Vida, da dignidade humana na luta pela justiça, dos valores ecológicos, como defende no belos fresco que é "O Velho que Lia Romances de Amor", que em 1989 o tornou conhecido internacionalmente, 20 anos depois de conquistar o Prémio Literário da Casa das Américas.
Este homem que correu meio mundo depois de ter feito parte da guarda pessoal de Salvador Allende e ter escapado à pena de morte ao ser julgado por um tribunal militar em 1975 pelo ditador Pinochet. Esse escritor multifacetado, que dominava com igual mestria o romance clássico, a literatura de viagens, o conto infantil, contador de histórias como poucos, esse Homem livre, profundamente comprometido com a Vida, perceptível da forma como conclui "Patagónia Express", um livro belo, comovente e muito autobiográfico, que nos fala, entre outros: de momentos da infância com o avô Gerardo, o "seu herói", um velho libertário andaluz, que não simpatizava com padres e com militares, que conhecera a prisão, a perseguição e o exílio em terras chilenas - pois "uma pessoa é de onde melhor se sente" - por causa das suas ideias, da prisão e da libertação no Chile ensanguentado
e termina com a viagem a Martos, na Andaluzia, de onde o avô partira muitas décadas antes - quase um século - e vai encontrar o irmão mais novo deste, um ancião conhecido por don Angel, a quem se faz anunciar depois de este o confundir com o filho da leiteira, Paquito, com Miguelito (?) e com o próprio irmão Gerardo.
"Então, depois de pigarrear, don Angel disse o mais belo poema com que a vida me premiou, e eu soube que finalmente se fechara o círculo, pois estava no ponto de partida da viagem começada pelo meu avô. Dom Angel disse:
- Mulher, traz vinho, que chegou um parente da América."
Belo e pungente.
Um dia propício para abrir uma garrafa e beber um copo de vinho em homenagem a Luís Sepúlveda, um amante da Vida e da Beleza, que não se limitou a passar pela Vida, antes a marcou de uma forma perene, a Vida, a literatura, o mundo...




Deixamos notas biográficas: (fonte:https://www.infopedia.pt/$luis-sepulveda)

Escritor chileno, Luis Sepúlveda nasceu a 4 de outubro de 1949, em Ovalle, uma pequena aldeia no Norte do país, e morreu a 16 de abril de 2020 nas Astúrias, Espanha, vítima de COVID-19.
Os seus pais eram menores e haviam fugido juntos mas, perseguidos pelas autoridades, chegaram por fim a uma hospedaria onde a sua mãe deu à luz o fruto dessa aventura de amo
Luis Sepúlveda começou a escrever quando frequentava o Liceu de Santiago do Chile. Ingressou nas fileiras da Juventude Comunista chilena em 1964, o que não o impediu de continuar a escrever, desta feita poesia e contos de natureza mais séria. Em 1969 publicou Crónicas de Pedro Nadie, compilação de contos que lhe valeu o Prémio Literário da Casa das Américas.
Em 1970 conseguiu um diploma em Encenação Teatral, atividade que começou a exercer, dedicando também parte do seu tempo à política, à direção de uma cooperativa agrícola e à locução de programas de rádio.
Em 1973 deu entrada na estrutura militante do Partido Socialista, chegando a fazer parte da segurança pessoal de Salvador Allende.
Era ainda um estudante quando, nesse mesmo ano, o General Augusto Pinochet chegou ao poder. Aprisionado, foi julgado por um tribunal militar em fevereiro de 1975, e acusado de traição à pátria e conspiração subversiva, entre outros crimes. Escapando à pena de morte, habitual em casos semelhantes, foi condenado a vinte e oito anos de cadeia.
Encarcerado em Temulo, estabelecimento prisional político, conviveu com alguns dos mais de trezentos professores universitários que Pinochet tornou cativos. Em 1977, graças à persistência da Amnistia Internacional, viu a sua pena ser comutada para oito anos de exílio na Suécia.
Em 1989 publicou o seu primeiro romance, Un Viejo Que Leía Novelas De Amor (O Velho Que Lia Romances de Amor), que rapidamente se revelou um sucesso internacional, tendo sido traduzido para cerca de trinta e cinco línguas. Luis Sepúlveda dedicou a obra a um amigo assassinado pelo regime do ditador chilenoAutorizado finalmente a regressar ao Chile, ao fim de dezasseis anos de exílio, o autor continuou a escrever, publicando obras como Mundo Del Fin Del Mundo (1989, Mundo do Fim do Mundo), Patagonia Express (1995, Patagónia Express), Diario di un Killer Sentimentale (1996, Diário de um Killer Sentimental), Historia de una Gaviota y del Gato que le Enseñó a Volar (1996, História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar), Desencuentros (1997, Encontro de Amor num País em Guerra), Historias Marginales (2000, As Rosas de Atacama), Hot Line (2002), Moleskine: Apuntes e Reflexiones (2004, Uma História Suja) e Los Peores Cuentos de los Hermanos Grim (2005, Os Piores Contos dos Irmãos Grim), tendo este último sido escrito em parceria com Mario Delgado Aparaín.
Nas obras que se seguiram, O Poder dos Sonhos, em 2006, e Crónicas do Sul, em 2008, o escritor usa o seu país como tema da narrativa.
Ainda em 2008 o autor regressa à ficção com A Lâmpada de Aladino, 13 contos cujos temas vão desde a Alexandria de Kavafis, o Carnaval em Ipanema, até uma cidade de Hamburgo fria e chuvosa, a Patagónia, o Santiago do Chile nos anos 60, a recôndita fronteira do Peru, a Colômbia e o Brasil.
Da sua vasta obra (toda ela traduzida em Portugal), destacam-se os romances O Velho que Lia Romances de Amor e História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar. Mas Mundo do Fim do Mundo, Patagónia Express, Encontros de Amor num País em Guerra, Diário de um Killer Sentimental ou A Sombra do que Fomos (Prémio Primavera de Romance em 2009), por exemplo, conquistaram também, em todo o mundo, a admiração de milhões de leitores.
Em 2016 foi distinguido pelo Centro de Estudos Ibéricos com o Prémio Eduardo Lourenço

15 de abr. de 2020


A Peste Negra do Século XXI

Acaba de ser publicado um livro pela medievalista britânica, Miri Burin, da Universidade Queen Mary de Londres, sobre a temática e repercussões da peste negra.  Editado pela Cambridge University Press, Cities of Strangers: Making Lives in Medieval Europe, transporta-nos a uma Europa de meados do século XIV – há quase 700 anos – que entre 1347 e 1351 vê um terço da sua população dizimada.

Como nos diz a autora: “Os nossos antepassados do século XIV não sabiam muito sobre a doença que subitamente ameaçava devastar a Europa, mas sabiam uma coisa: os barcos de comércio mundial que tentavam atracar nas cidades portuárias europeias eram uma ameaça. A partir deles, dos ratos, das pulgas e dos humanos infectados, espalhava-se esse horror que ficou conhecido por peste negra”, referindo-nos depois como então os nossos antepassados vão utilizar aquilo que hoje chamamos distanciamento social, para num primeiro momento, impotentes por travar o flagelo, perceberam a urgência de travarem a entrada de viajantes vindos de fora e, depois, separarem os doentes dos que ainda não tinha sido infectados – separação já anteriormente utilizada com os leprosos. A palavra quarentena, do italiano “quarentino”, aos recém-chegados que tinham de se manter à distância, aplicada a todos os viajantes, e o isolamento aos que já estavam doentes. Prática, aliás, como nos refere esta historiadora e professora de História Medieval da referida universidade, inicialmente norma tornada obrigatória na cidade de Ragusa, no Adriático – actual Dubrovnik, na Croácia – a quem chegava de áreas infestadas pela peste, sendo inicialmente de um mês, “trentino” e que só mais tarde as autoridades de Veneza alargaram o período para os quarenta dias, instituindo a quarentena.

Esta autora fala-nos (suplemento ípsilon desta semana, edição do “Público de 10 de Abril) ainda, para além das diferenças, das semelhanças, quer seja a nível da prática de quarentena e isolamento, quer das transformações surgidas após esta devastação na organização da vida urbana de então, pois considera que “há muitos pontos em comum com os dias de hoje e, sobretudo, há lições importantes a aprender com a experiência da peste medieval”, remata M. Burin, concluindo que desastre trazido pelo novo coronavírus pode ser “uma oportunidade para encontrarmos a coesão que potencialmente existe dentro de todos nós, concentrando-nos nas coias que são realmente importantes”.

O ESTADO SOCIAL E A UNIÃO EUROPEIA

Como anteriormente aqui escrevemos e publicamente defendemos, de que era necessário e urgente mudar o paradigma; a soberba de “desenvolvimento” a todo o custo, responsável pela cada vez pior qualidade de vida, em breve irreversível, com a poluição a aumentar assustadoramente e a caminharmos a passos largas para a catástrofe. Agora, no meio de uma catástrofe não esperada temos que reflectir para onde vamos, o que queremos da(s) nossa(s) vida(s) e como isso será possível.

Ainda que não aderindo à teoria da conspiração do surgimento do Covit – 19, por razões mundialmente económicas, verificamos que,  nomeadamente na Europa, nos países mais afectados até agora – sobretudo a Itália, Espanha, mas também a França e a Inglaterra presentemente – o papel do Estado tem sido decisivo para tomar medidas, ainda que por vezes tardias, para que o desastre não tome proporções ainda maiores. Países estes incluindo Portugal, à excepção do Reino Unido – e aqui deixamos os votos de rápido restabelecimento do primeiro-ministro Boris Johnson – com governos de centro esquerda, de esquerda ou do centro. Assim, em governos aparentemente frágeis e com possível vida curta, emergiram verdadeiros líderes, como é o caso do espanhol Pedro Sánchez, que tem sabido estar à altura das circunstâncias, mesmo com uma direita trauliteira, tentando tirar partido vergonhosamente da situação dramática vivida no país vizinho.

No nosso país, governantes, partidos parlamentares  cidadãos têm sabido convergir para o objetivo comum, ainda que com as fragilidades e respostas lentas no SNS, os grupos profissionais de primeira linha – técnicos de saúde, cientistas, bombeiros, autoridades policiais, autarcas, etc. – estão de parabéns, aliás um pouco como por esse mundo fora, e merecem o nosso profundo respeito e consideração; assim como pequenos e médios empresários e cidadãos anónimos, altruístas, que diariamente contribuem nesta luta diária contra a pandemia, ainda que paradoxalmente surjam atitudes oportunistas, como a dos grande grupos privados da saúde a quererem cobrar indevidamente tratamentos ao SNS.

Também António Costa tem também interna e externamente sabido liderar, mostrando frontalidade na defesa dos países europeus mais atingidos, face ao calculismo avaro e intolerante da Europa do Norte – de que o ministro das finanças holandês foi porta-voz - que retirou dividendos financeiros durante a última crise que tanto atingiu o Sul. Diferendo que parece estar parcialmente ultrapassado com o recente acordo. Mas… não é suficiente. Afinal o futuro da União Europeia passa por uma Europa dos cidadãos. No próximo mês, esperamos, voltamos a este assunto.

(artigo publicado hoje na edição de abril da Folha de Montemor)