A
Peste Negra do Século XXI
Acaba de ser publicado um
livro pela medievalista britânica, Miri Burin, da Universidade Queen Mary de
Londres, sobre a temática e repercussões da peste negra. Editado pela Cambridge University Press, Cities
of Strangers: Making Lives in Medieval Europe, transporta-nos a uma Europa
de meados do século XIV – há quase 700 anos – que entre 1347 e 1351 vê um terço
da sua população dizimada.
Como nos diz a autora:
“Os nossos antepassados do século XIV não sabiam muito sobre a doença que
subitamente ameaçava devastar a Europa, mas sabiam uma coisa: os barcos de
comércio mundial que tentavam atracar nas cidades portuárias europeias eram uma
ameaça. A partir deles, dos ratos, das pulgas e dos humanos infectados, espalhava-se
esse horror que ficou conhecido por peste negra”, referindo-nos depois como
então os nossos antepassados vão utilizar aquilo que hoje chamamos
distanciamento social, para num primeiro momento, impotentes por travar o
flagelo, perceberam a urgência de travarem a entrada de viajantes vindos de
fora e, depois, separarem os doentes dos que ainda não tinha sido infectados –
separação já anteriormente utilizada com os leprosos. A palavra quarentena, do
italiano “quarentino”, aos recém-chegados que tinham de se manter à distância,
aplicada a todos os viajantes, e o isolamento aos que já estavam doentes.
Prática, aliás, como nos refere esta historiadora e professora de História
Medieval da referida universidade, inicialmente norma tornada obrigatória na
cidade de Ragusa, no Adriático – actual Dubrovnik, na Croácia – a quem chegava
de áreas infestadas pela peste, sendo inicialmente de um mês, “trentino” e que
só mais tarde as autoridades de Veneza alargaram o período para os quarenta
dias, instituindo a quarentena.
Esta autora fala-nos
(suplemento ípsilon desta semana, edição do “Público de 10 de Abril) ainda,
para além das diferenças, das semelhanças, quer seja a nível da prática de
quarentena e isolamento, quer das transformações surgidas após esta devastação
na organização da vida urbana de então, pois considera que “há muitos pontos em
comum com os dias de hoje e, sobretudo, há lições importantes a aprender com a
experiência da peste medieval”, remata M. Burin, concluindo que desastre trazido pelo
novo coronavírus pode ser “uma oportunidade para encontrarmos a coesão que
potencialmente existe dentro de todos nós, concentrando-nos nas coias que são
realmente importantes”.
O
ESTADO SOCIAL E A UNIÃO EUROPEIA
Como anteriormente aqui
escrevemos e publicamente defendemos, de que era necessário e urgente mudar o
paradigma; a soberba de “desenvolvimento” a todo o custo, responsável pela cada
vez pior qualidade de vida, em breve irreversível, com a poluição a aumentar
assustadoramente e a caminharmos a passos largas para a catástrofe. Agora, no
meio de uma catástrofe não esperada temos que reflectir para onde vamos, o que
queremos da(s) nossa(s) vida(s) e como isso será possível.
Ainda que não aderindo à
teoria da conspiração do surgimento do Covit – 19, por razões mundialmente
económicas, verificamos que,
nomeadamente na Europa, nos países mais afectados até agora – sobretudo
a Itália, Espanha, mas também a França e a Inglaterra presentemente – o papel
do Estado tem sido decisivo para tomar medidas, ainda que por vezes tardias, para
que o desastre não tome proporções ainda maiores. Países estes incluindo
Portugal, à excepção do Reino Unido – e aqui deixamos os votos de rápido
restabelecimento do primeiro-ministro Boris Johnson – com governos de centro
esquerda, de esquerda ou do centro. Assim, em governos aparentemente frágeis e
com possível vida curta, emergiram verdadeiros líderes, como é o caso do
espanhol Pedro Sánchez, que tem sabido estar à altura das circunstâncias, mesmo
com uma direita trauliteira, tentando tirar partido vergonhosamente da situação
dramática vivida no país vizinho.
No nosso país,
governantes, partidos parlamentares
cidadãos têm sabido convergir para o objetivo comum, ainda que com as
fragilidades e respostas lentas no SNS, os grupos profissionais de primeira
linha – técnicos de saúde, cientistas, bombeiros, autoridades policiais,
autarcas, etc. – estão de parabéns, aliás um pouco como por esse mundo fora, e
merecem o nosso profundo respeito e consideração; assim como pequenos e médios
empresários e cidadãos anónimos, altruístas, que diariamente contribuem nesta
luta diária contra a pandemia, ainda que paradoxalmente surjam atitudes oportunistas,
como a dos grande grupos privados da saúde a quererem cobrar indevidamente tratamentos
ao SNS.
Também António Costa tem
também interna e externamente sabido liderar, mostrando frontalidade na defesa
dos países europeus mais atingidos, face ao calculismo avaro e intolerante da
Europa do Norte – de que o ministro das finanças holandês foi porta-voz - que
retirou dividendos financeiros durante a última crise que tanto atingiu o Sul. Diferendo
que parece estar parcialmente ultrapassado com o recente acordo. Mas… não é
suficiente. Afinal o futuro da União Europeia passa por uma Europa dos cidadãos.
No próximo mês, esperamos, voltamos a este assunto.
(artigo publicado hoje na edição de abril da Folha de Montemor)
(artigo publicado hoje na edição de abril da Folha de Montemor)
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