15 de abr. de 2020


A Peste Negra do Século XXI

Acaba de ser publicado um livro pela medievalista britânica, Miri Burin, da Universidade Queen Mary de Londres, sobre a temática e repercussões da peste negra.  Editado pela Cambridge University Press, Cities of Strangers: Making Lives in Medieval Europe, transporta-nos a uma Europa de meados do século XIV – há quase 700 anos – que entre 1347 e 1351 vê um terço da sua população dizimada.

Como nos diz a autora: “Os nossos antepassados do século XIV não sabiam muito sobre a doença que subitamente ameaçava devastar a Europa, mas sabiam uma coisa: os barcos de comércio mundial que tentavam atracar nas cidades portuárias europeias eram uma ameaça. A partir deles, dos ratos, das pulgas e dos humanos infectados, espalhava-se esse horror que ficou conhecido por peste negra”, referindo-nos depois como então os nossos antepassados vão utilizar aquilo que hoje chamamos distanciamento social, para num primeiro momento, impotentes por travar o flagelo, perceberam a urgência de travarem a entrada de viajantes vindos de fora e, depois, separarem os doentes dos que ainda não tinha sido infectados – separação já anteriormente utilizada com os leprosos. A palavra quarentena, do italiano “quarentino”, aos recém-chegados que tinham de se manter à distância, aplicada a todos os viajantes, e o isolamento aos que já estavam doentes. Prática, aliás, como nos refere esta historiadora e professora de História Medieval da referida universidade, inicialmente norma tornada obrigatória na cidade de Ragusa, no Adriático – actual Dubrovnik, na Croácia – a quem chegava de áreas infestadas pela peste, sendo inicialmente de um mês, “trentino” e que só mais tarde as autoridades de Veneza alargaram o período para os quarenta dias, instituindo a quarentena.

Esta autora fala-nos (suplemento ípsilon desta semana, edição do “Público de 10 de Abril) ainda, para além das diferenças, das semelhanças, quer seja a nível da prática de quarentena e isolamento, quer das transformações surgidas após esta devastação na organização da vida urbana de então, pois considera que “há muitos pontos em comum com os dias de hoje e, sobretudo, há lições importantes a aprender com a experiência da peste medieval”, remata M. Burin, concluindo que desastre trazido pelo novo coronavírus pode ser “uma oportunidade para encontrarmos a coesão que potencialmente existe dentro de todos nós, concentrando-nos nas coias que são realmente importantes”.

O ESTADO SOCIAL E A UNIÃO EUROPEIA

Como anteriormente aqui escrevemos e publicamente defendemos, de que era necessário e urgente mudar o paradigma; a soberba de “desenvolvimento” a todo o custo, responsável pela cada vez pior qualidade de vida, em breve irreversível, com a poluição a aumentar assustadoramente e a caminharmos a passos largas para a catástrofe. Agora, no meio de uma catástrofe não esperada temos que reflectir para onde vamos, o que queremos da(s) nossa(s) vida(s) e como isso será possível.

Ainda que não aderindo à teoria da conspiração do surgimento do Covit – 19, por razões mundialmente económicas, verificamos que,  nomeadamente na Europa, nos países mais afectados até agora – sobretudo a Itália, Espanha, mas também a França e a Inglaterra presentemente – o papel do Estado tem sido decisivo para tomar medidas, ainda que por vezes tardias, para que o desastre não tome proporções ainda maiores. Países estes incluindo Portugal, à excepção do Reino Unido – e aqui deixamos os votos de rápido restabelecimento do primeiro-ministro Boris Johnson – com governos de centro esquerda, de esquerda ou do centro. Assim, em governos aparentemente frágeis e com possível vida curta, emergiram verdadeiros líderes, como é o caso do espanhol Pedro Sánchez, que tem sabido estar à altura das circunstâncias, mesmo com uma direita trauliteira, tentando tirar partido vergonhosamente da situação dramática vivida no país vizinho.

No nosso país, governantes, partidos parlamentares  cidadãos têm sabido convergir para o objetivo comum, ainda que com as fragilidades e respostas lentas no SNS, os grupos profissionais de primeira linha – técnicos de saúde, cientistas, bombeiros, autoridades policiais, autarcas, etc. – estão de parabéns, aliás um pouco como por esse mundo fora, e merecem o nosso profundo respeito e consideração; assim como pequenos e médios empresários e cidadãos anónimos, altruístas, que diariamente contribuem nesta luta diária contra a pandemia, ainda que paradoxalmente surjam atitudes oportunistas, como a dos grande grupos privados da saúde a quererem cobrar indevidamente tratamentos ao SNS.

Também António Costa tem também interna e externamente sabido liderar, mostrando frontalidade na defesa dos países europeus mais atingidos, face ao calculismo avaro e intolerante da Europa do Norte – de que o ministro das finanças holandês foi porta-voz - que retirou dividendos financeiros durante a última crise que tanto atingiu o Sul. Diferendo que parece estar parcialmente ultrapassado com o recente acordo. Mas… não é suficiente. Afinal o futuro da União Europeia passa por uma Europa dos cidadãos. No próximo mês, esperamos, voltamos a este assunto.

(artigo publicado hoje na edição de abril da Folha de Montemor)

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