Adeus, Urbano...
O Urbano partiu há dois dias…
… e eu estou no Sul, bem no Sul… escrevo de um terraço onde se avista a
cidade mediterrânica - emaranhado de chaminés, terraços e muitas paredes brancas, poderia ser Tânger - e vou, resolvi,
depois de saber a triste notícia, telefonar à Ana Maria, enviar-lhe um
telegrama de abraço e outro do CEDA e falar com amigos que estão em Lisboa,
inclusive para me representarem , resolvi dizia, manter a minha informal
relação como sempre tive com o Urbano, longe das cerimónias oficiais e de
facebooks e postes em que meio mundo resolveu postar uma fotografia ou um
autógrafo com o Urbano… não é a minha onda…
o Urbano que merecia o Prémio Camões – como o próprio chegou a dizer publicamente e em privado com alguma
revolta – e eu acrescento merecia o Prémio Pessoa e porque não Prémio Nobel?! …em 2006 propus-lhe,
criarmos , eu e outros amigos, a partir do CEDA um movimento público, com
o intuito de lançar a sua candidatura, mas o Urbano, agradeceu-me emocionado e
recusou resignado, desculpou-se com o pouco peso da tradução das suas obras em
língua inglesa… para não dizer nos lobbies que determinam o Nobel, dizemos nós.
O Urbano era comunista, é comunista e talvez por isso não lhes concederam os
prémios a que tinha mais que direito!
Ontem, sábado, o Urbano é capa e vem justamente muito referenciado nos
jornais diários – tendo eu comprado dois, o que quase nunca fiz, no mesmo dia –
com bons textos de Isabel Lucas, de Nuno Júdice (Público) e do amigo João Céu
e Silva (DN)…
Recordei-me logo que o Miguel Real também devia ter sido convidado para
escrever sobre o Urbano!: é que tenho em meu poder um texto excelente do Miguel
Real, 13 páginas em que faz uma análise completa, magnifica da obra do Urbano.
O Miguel é um Amigo que conheci pessoalmente há poucos meses através de um
outro Amigo, o João Morales, e para além de ser um grande escritor ficcionista,
ensaísta – o Fernando Mão de Ferro (Colibri) considera-o o melhor escritor
contemporâneo – teve a grandeza humana de, nas III Jornadas Literárias de
Montemor-o-Novo, a 25 de Maio – ter aceite a poucas horas antes das mesmas, e
ter feito uma bela apresentação do último livro do Urbano A Imensa Boca dessa Angústia e outras histórias,– quando outros faltaram,
uns justificadamente, mas outros não – à ,talvez, última grande homenagem
realizada em vida do Urbano, justamente nas referidas Jornadas – e eu, a
moderar a mesa, pedi uma salva de palmas para o Miguel Real e para a Ana
Pereira Neto, a minha Anita – que, face a um contratempo informático
imprevisto, numa tarde de mais de 30 graus foi a meu pedido à casa do Urbano -
Montemor, Lisboa, Montemor - que mal conhecia,
para o termos ao vivo, com algumas imagens e a voz comovida e fraterna do
Urbano – tendo ao seu lado a sempre bem disposta Ana Maria e o irrequieto
pequeno António Urbano. E eu, na mesa, disse que eles, o Miguel e a Anita – com
aqueles seus gestos consubstanciavam a grande generosidade que marcou toda a
vida do Urbano.
Nos últimos 15 anos – o que são 15 anos numa vida tão intensa de quase 90 e
literária de 60 anos – em que privei com o Urbano?Lembro-me dele ter apoiado
activamente a Homenagem ao José da Fonte Santa realizada em 1999 e Santiago do
Cacém – na organização do livro de Poesia que a Isabel Fonte
Santa coordenou e onde escreveu o prefácio e deu diversas sugestões, inclusive
o título da Exposição “José da fonte Santa – Mulheres, Pombas e Cavalos”, que
itinerou durante mais de três anos por mais de 30 locais – desde Castro Verde a
Vila Franca de Xira - esteve na sessão que realizou na Casa do Alentejo, numa
mesa ontem também usaram da palavra Domingos Carvalho, Francisco Dias da Costa,
nós, José Chita; esteve na célebre sessão – no
mesmo Salão Agostinho Fortes na Casa do Alentejo de apresentação pública
do CEDA – com António Borges, Coelho, António Ventura, Cláudio Torres, Moisés
Espírito Santo, Salwa Castelo-Branco, José Chitas, em representação da Casa do
Alentejo e ainda nós e Pedro Alves; presidiu, a nosso convite, às três edições do
Prémio Literário Pedro Ferro – em 2005, 2006 e 2007 – e escreveu o prefácio da Nova Antologia de Poetas Alentejanos que editamos há um
ano… e sempre que lhe pedimos participou, apoiou generosamente novos autores,
deslocando-se inclusive à Casa do Alentejo para apresentar livros… e esteve
sempre disponível, para dar sugestões e conselhos e apoiar-nos com frontalidade
como aconteceu em 2004 quando alguns oportunistas sem carácter tentaram
desvirtuar o CEDA a seu bel-prazer. O Urbano deu-me então uma grande prova de
Amizade, tendo-me inclusive chamado a sua casa perante calúnias lançadas a
pessoas honradas do CEDA como eu, o Domingos Montemor e outros companheiros e
apoiado a lista que liderei – e que venceu as eleições – como aconteceu com as
esmagadora maioria das 20 personalidades do Conselho Científico. Poderia ter
tomado uma posição neutra, como aconteceu com duas personalidades com que
continuei a manter a Amizade, era mais cómodo, mas o Urbano, com tolerância e
humanismo foi sempre um Homem de coragem de assumir as opções – o que o
prejudicou pessoal e profissional durante a ditadura e porventura,
literariamente nos nossos dias.
Orgulhamo-nos de ter realizado/coordenado diversas homenagens ao Urbano:
na qualidade de Vice-presidente da Casa do Alentejo em 2003 – tendo como convidados José Luís Peixoto e Possidónio Cachapa,
que acabara de conhecer e em 2004; no aniversário da Casa; enquanto Presidente
do CEDA em 2006, com entre outros Manuel
Gusmão e, mais recentemente nas III Jornadas Literárias de Montemor-o-Novo, por
proposta nossa, -onde, para além da referida excelente
intervenção de Miguel Real e da passagem do interessantíssimo documentário de
Possidónio Cachapa, que comentou o seu “Adeus à Brisa”- sobre a Vida e a Obra
do Urbano, também Hélder Costa e António Melo nos deliciaram com histórias
pouco conhecidas da resistência – onde o Urbano, então já um dos mais
prestigiados escritores portugueses, com a grande generosidade e coragem,
ajudava jovens desertores a passarem a fronteira a salto. Os seus
depoimentos, bem como um poema inédito de José Jorge Letria e um extenso e e
interessante texto de Maria Graciete Besse , residente em França e considerada
especialista na obra do Urbano, bem como de outros autores presentes nesta
Jornadas, virão, prevê-se , integrar um livro a sair em Dezembro, por ocasião
dos 90 anos do nascimento do Urbano. Com estes e outros depoimentos, certamente
irá constituir um contributo muito interessante
para a História da oposição ao Estado Novo e para um conhecimento mais profundo
da Vida e Obra do Urbano, nomeadamente através da consulta de mais de 10 mil
folhas de cerca de 20 processos, envolvendo inclusive as três prisões pela PIDE
em 1961, 1963 e 1968 – tendo relativamente à segunda encontrado três poemas
inéditos dedicados à sua primeira mulher, Maria Judite de Carvalho, lidos nesta
sessão das Jornadas, onde os autarcas Hortênsia Menino e João Marques,
respectivamente Presidente e Vereador da Cultura do Município estiveram
presentes.
Na XIV Semana Cultural do Laranjeiro , penso que em termos absolutos, a
última homenagem prestada em vida ao Urbano, também por proposta nossa,
realizada a 1 de Julho de 2013, que moderamos, com intervenções excelentes
tanto do Hélder Costa como do Miguel Real e ainda dos autarcas Mara Figueiredo
– presidente – e Brás Borges – Cultura – e o Amigo Luís Palma –Educação e
Juventude . O Amigo Luís Palma, então muito jovem, integrou o direcção do CEDA em 2004/2006 como Vice-presidente e viveu
intensamente essa contenda eleitoral , umas eleições movimentadíssimas, em
que participaram quase 90% do associados.
Boa sorte Luís Palma para a tua batalha eleitoral!
Serás um excelente Presidente da freguesia mais populosa de Almada – com a
junção do Laranjeiro e Feijó!
Nas dezenas de vezes de tive o privilégio de falar e privar com o Urbano e
da sua amizade, nomeadamente nos últimos anos
Numa das visitas que lhe fiz, quando ele estava a escrever Os Cadernos Secretos do Prior do Crato - a propósito de D. António, Pior do Crato, que teve 10 filhos de 10 mães,
que vivia dividido, dilacerado, entre a entrega a uma fé verdadeira e pura e a
entrega plena à sensualidade feminina, afinal a mais bela razão de ser do
homem. Foi num dia em que Urbano não tinha muitos compromissos, passamos uma tarde
a falar e, a páginas tantas, estávamos a discorrer sobre os amores passados.
Olhando para o fundo da memória, concordávamos que de nada nos arrependíamos,
excepto num aspecto… ser melhor. Foi tão forte a partilha que, por momentos
olvidei que 38 anos separavam mestre e o discípulo
(excerto de poste de Abril de 2011)
… ou mais recentemente, já este ano, em que ia amiúde a
sua casa relatar-lhe as minhas pesquisas nos seus Processos dos Arquivos da
PIDE existentes na Torre do Tombo e o Urbano me contou tantas histórias das suas vivências na resistência à ditadura – como
aquelas que o Hélder o e António Melo relatam, mas também outras, outras
vivências pessoais enquanto repórter, enquanto grande sedutor e conhecedor do
universo feminino, da grande amizade e admiração que sempre o ligou ao irmão
Miguel (Urbano Rodrigues) ou como ainda gostaria de escrever sobre o pai, da
dificuldade de relacionamento por este não aceitar a opção do irmão – que se
tinha exilado depois de ter participado no “Assalto ao Santa Maria”, então
aquele Homem sábio, doce e franzino de quase 90 anos transfigurou-se num menino
frágil que fala no pai enternecido, cheio de carinho, de Amor, que gostava de
escrever sobre ele, tinha essa necessidade, como que a repor algo meio século
depois…
Há duas semanas , estive em casa do Urbano e ele, de uma assentada,
escreveu o texto para Junta de Freguesia do
Laranjeiro, sobre a homenagem ali acontecida, e que o Luís Palma publicou
recentemente no facebook.
Há uma semana fui de novo visitá-lo, fui levar-lhe a Memória Alentejana , que lhe fazia diversas referências, e
ele teve que se recolher um pouco para mudar de roupa, mas disse-me: “Eduardo,
não estás com pressa? Eu demoro, podes esperar por mim? Eu respondi
afirmativamente, mas como pressenti que ele não estava bem - só bebera um sumo
nesse dia, confidencio-me a Ana Maria – achei melhor não o incomodar e combinei
voltar depois das férias… para falarmos mais demoradamente….
Deixo este seu poema inédito até há duas semanas quando foi publicado na Memória Alentejana.
Poema feito de imediato para um projecto ainda não concretizado ”Novos
temas para o Cante”. Um projecto para
o futuro, como a sua Escrita, a sua Mensagem de Luz, de Fraternidade, de homem
Livre!
Memória Alentejana
Era o antigo Alentejo
O das grandes descobertas
da minha infância
o Maio em flor
em mil papoulas nos trigais
saramagas e grisandas
enredadas
na terra crua
Ergue-se o meio dia
ardente
sobre o mundo
e uma luz de cristal transparente
fere os corpos e as pedras
mas deixa alegria branca.
Cantam naquele silêncio
ranchos de trabalhadores
rurais que sonham
um amanhã
de igualdade
nos corações das casas
de terra e pasto
e a flor da paz
sorri-lhes
como só ela
sabe sorrir na epifania
na apoteose da luz só.
Urbano Tavares Rodrigues
13
de Fevereiro de 2012
(in Memória Alentejana)
Adeus Urbano!....
Até sempre Mestre!
Até sempre Irmão!