16 de jun. de 2010
A Carta no Caminho
Adeus, mas estarás
comigo, irás dentro
de uma gota de sangue circulando nas minhas veias
ou fora, beijo que me escalda o rosto
ou cinto de fogo na minha cintura.
Minha doce, recebe
o grande amor que irrompeu da minha vida
e em ti não encontrava território
como o explorador perdido
nas ilhas do pão e do mel,
Encontrei-te depois
da tempestade,
a chuva lavou os ares
e na água
teus doces pés brilharam como peixes.
Adorada, parto para os meus combates.
Escavarei a terra, abrirei uma cova
e nela o teu Capitão
irá esperar-te com flores na cama.
Não penses mais, minha doçura,
no tormento
que pelo meio de nós passou
como um raio de fósforo
e nos queima talvez.
A paz chegou também porque volto
à minha terra para lutar,
e como tenho o coração completo
com a parte de sangue que me deste
para sempre,
e como
levo
as minhas mãos cheias do teu ser desnudo,
fita-me,
fita-me,
fita-me no mar, que vou radiante,
fita-me na noite que navego,
e o mar e noite são os teus olhos.
Nunca te deixo, quando me afasto.
Vou dizer-te agora:
a minha terra há-de ser tua,
vou conquistá-la,
não apenas para ta dar,
mas para a dar a todos,
a todo o meu povo.
Um dia o ladrão deixará a sua torre
e o invasor será expulso.
Nas minhas mãos, até agora
acostumadas à pólvora, crescerão
todos os frutos da vida.
E saberei acariciar as novas flores
porque tu me ensinaste a ternura.
Minha doçura, adorada,
virás comigo à luta corpo a corpo
porque em meu coração vivem teus beijos
como bandeiras vermelhas
e, se cair, não só
a terra me cobrirá
mas este grande amor que me trouxeste
e viveu circulando no meu sangue.
Virás comigo,
espero-te nessa hora,
nessa e em todas as horas,
em todas as horas te espero.
E quando a tristeza que detesto
bater à tua porta,
diz-lhe que eu te espero,
e quando a solidão quiser que troques
o anel onde o meu nome está escrito,
diz à solidão que se entenda comigo,
que eu tive que partir
porque sou um soldado
e onde quer que eu esteja,
sob a chuva ou sob
o fogo, meu amor,
estarei à tua espera,
À tua espera no deserto mais duro
e junto ao limoeiro florido,
onde a primavera nascer, meu amor,
Estarei à tua espera.
Quando te disserem: “Esse homem
Não te quer”, lembra-te
de que os meus pés estão sozinhos nessa noite e procuram
os doces e pequenos pés que adoro.
Quando te disserem, meu amor,
que te esqueci, e mesmo quando
for eu a dizer-to,
quando eu to disser,
não acredites.
Quem e como poderiam
arrancar-te do meu peito
e quem recolheria
o meu sangue
quando de ti me aproximasse a sangrar?
Mas também não posso
esquecer o meu povo.
Vou lutar em cada rua,
atrás de cada pedra.
O teu amor também me ajuda:
é uma flor fechada
que sempre me inunda com o seu aroma
e se abre de repente
dentro de mim como uma grande estrela.
Meu amor, é de noite.
A água escura, o mundo
adormecido cercam-me.
Daqui a pouco romperá a aurora
e escrevo-te, entretanto,
para te dizer: “Amo-te”
Para te dizer “Amo-te”, protege
mantém limpo, levanta,
defende
o nosso amor, minha alma.
Deixo-te como se deixasse
Um punhado de terra semeado.
Do nosso amor nascerão outras vidas.
Em nosso amor outros matarão a sede.
Virá talvez um dia
em que um homem
e uma mulher, iguais
a nós,
toarão este amor, que ainda terá força
para queimar as mãos que o toquem.
Quem fomos? Que importa?
Tocarão este fogo
e o fogo, minha doçura, dirá teu simples nome
e o meu, o nome
que apenas tu soubeste porque apenas
tu, sobre a terra, sabes
quem sou, e porque ninguém me conheceu como uma,
como uma só das tuas mãos,
porque ninguém
soube como, nem quando
meu coração esteve ardendo:
somente
teus grandes olhos pardos o souberam,
a tua boca larga,
a tua pele, os teus peitos,
o teu ventre, as tuas entranhas
e a tua alma, que eu despertei
para que ficasse
a cantar até ao fim da vida.
Meu amor, espero-te.
Adeus, meu amor, espero-te.
Meu amor, meu amor, espero-te.
E assim termina esta carta
sem nenhuma tristeza.
Os meus pés estão firmes sobre a terra,
a minha mão escreve esta carta no caminho,
e no meio da vida estarei
sempre
ao lado do amigo, em frente do inimigo,
com o teu nome na boca
e um beijo que jamais
se separou da tua.
Pablo Neruda
Os Versos do Capitão
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Que carta, Santo Deus!
Eu nunca tinha lido esta carta!
..... não há comentário possível...
Sentir... só isso... sentir!
Pablo Neruda, que sensibilidade!
Postar um comentário