28 de abr. de 2010

Cantar Zeca na Mátria Alentejana ou a subtileza da Papoila

Há no Sul um silêncio povoado de sons, um misto de cigarras, zibelinas, besouros, uma espécie de zumbido do tempo, por vezes rasgado pelo grito do milhafre.


Se fosse pintor pintá-lo-ia sob a forma de um traço em fundo azul. Um risco, nada mais do que um risco.
(...)
                                           Manuel Alegre (in Tão pouco e Tanto, Janita Salomé)




 O Alentejo mantém perene Memória e património intangível tão patente nas soleiras das casas do Sul, nas cores azul e ocre, no zumbido dos insectos, no silêncio, nos cheiros, nos sabores no triângulo genético feito do Pão, Azeite e Vinho. Feito do Cante. Feito de Poesia. É essa característica primordial que faz do Alentejo, região em recessão populacional, secundarizada, um espaço apetecível, porque guardiã de uma alma secreta. Essa essência que muitos seduz é a nossa característica ancestral no mundo globalizado e hegemonizado onde a Poesia como postura e filosofia de Vida tem papel decisivo e estruturante.




Como considerava Natália Correia, para além dos Açores e do vértice Trasmontano-Duriense, é no Alentejo onde encontramos, como que vindo de uma força anímica, a reforço nacional da nossa literatura, da nossa Poesia, subsistindo tão elevado número de poetas, sejam eruditos ou populares ou até cantautores (Vitorino, Janita Salomé, Francisco Ceia, Francisco Naia, Paulo Ribeiro, entre outros).
Quando nos deixamos envolver pela subtileza transbordante e avassaladora dos nossos campos floridos ou pelo requinte do nosso mobiliário azul turqueza de mil flores adornado...



Recital "José Afonso - o Canto da Utopia", 24 de Abril, 22:00h. Auditório da Biblioteca Almeida Faria, Montemor-o-Novo

... ou quando se canta Zeca perante uma plateia imensa de Alentejanas(os) sentimos os afectos que ocupam cada milímetro da sala e é com muita, muita emoção, que dizemos, de olhos fechados - para ver o mundo inteiro - um dos mais belos poemas do Zeca, que este dedicou à Zelia - um poema de Amor é sempre para alguém...
como se num campo de mil papoilas a perder de vista...





Quando tudo isso acontece sentimos um todo o seu fulgor a Mátria Alentejana e então percebemos que a designação não é excessiva, tal como a utilizava Natália Correia... 




Maria

Maria
Nascida no monte
À beira da estrada
Maria
Bebida na fonte
Nas ervas criada


Talvez
Que Maria se espante
De ser tão louvada
Mas não
Quem por ela se prende
De a ver tão prendada

Maria
Nascida do trevo
Criada na trigo
Quem dera
Maria que o trevo
Casara comigo

Prouvera
A Maria sem medo
Crer no que lhe digo
Maria
Nascida no trevo
Beiral do mendigo
Maria
Nascida no trevo
Beiral do mendigo

Maria
De todas primeira
De todas menina
Maria
Soubera a cigana
Ler a tua sina

Não sei
Se deveras se engana
Quem demais se afina
Maria
Sol da madrugada
Flor de tangerina
Maria
Sol de madrugada
Flor de tangerina

José Afonso
(Cantares de José Afonso)

3 comentários:

Anônimo disse...

Milhita deixou um novo comentário sobre a sua postagem ""José Afonso - o Canto da Utopia" Recital em Monte...":

Gosto de vir aqui, sinto o cheiro do Sul nas mesmas cores unicas com que cresci

perfume de laranjeira disse...

Por dificuldades técnicas não foi possível a publicação automática do comentário de Milhita, que fazemos desta forma e que agradecemos dizendo:
Obrigado por saber saborear a essência da Beleza do Sul e a linguagem dos pássaros.

Um abraço

Milhita disse...

Obrigada, um abraço