17 de jul. de 2007

Sophia, a Poesia... e a Vida



O poema

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Como rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo

Livro Sexto (1962)


Tive amigos que morriam, amigos que partiam
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
Odiei o que era fácil
Procurei-te na luz, no mar, no vento.

No Tempo Dividido e Mar Novo, 1985


Três anos depois, recordar Sophia é falar da Vida. da Vida vivida intensamente como a Luz da sua Poesia.

"A obra de arte faz parte do real e do destino, realização, salvação e vida.
Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre um círculo traçado à roda de uma coisa, um círculo onde um pássaro do real fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do mar e da luz, evoluiu, evoluiu sempre dentro dessa busca atenta. Quem procura uma relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito da verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem".

Estas palavras sábias são de Sophia, num dia quente dum mês de Julho como hoje, do remoto ano de 1964, nesse dia em que recebeu o Grande Prémio de Poesia pelo seu Livro Sexto (nesse ano distante em que iniciei o meu encontro eterno com o Mar imenso e sublime de Sophia numa praia de Sines).

Palavras sábias e tão actuais que nos põem a velha e tão actual questão do compromisso social... e pessoal do artista, do criador, do escritor, do poeta, da poetisa...
Será que sem esse compromisso com a Vida, com a busca incessante e permanente da Felicidade (afinal a razão última de estarmos aqui) a Poesia faz sentido, o poeta, a poetisa sobrevive?

Uma questão que deixo no ar... gostava de saber a vossa opinião... amigos, amigas...

Um comentário:

Bichodeconta disse...

Lindos são os poemas de Sophia de Mello Brayner.. Parabéns pela escolha.. Voltarei.. Um abraço,Ell