1 de set. de 2011

VICTOR SERRA ou a sofreguidão inadiável de VIVER e de AMAR!

O ano passado encontrei o Victor Serra na esplanada do Restaurante “O Bispo” no Seixal. Estava eu com o Francisco Naia, tínhamos acabado de fazer uma sessão de apresentação do meu livro Canto de Intervenção. O Victor irradiava alegria e vontade de viver por todos os poros; estava acompanhado pela sua nova paixão, a sua musa inspiradora , como lhe chamava, a Graça; aliás, estavam… havia ali uma envolvência muito forte, que ao ler estes seus poemas se percebe melhor.

 O Victor Serra foi para mim um velho companheiro de Setúbal dos inícios de oitenta, quando eu era ainda um miúdo, e ele já Homem feito, participamos então, entre outras coisas na fundação da "Grupo de Poetas e Escritores de Setúbal", liderado pelo José António Chocolate Contradanças.

Sempre inconformado e inconformista, sempre “politicamente incorrecto”, o Victor dizia o que tinha a dizer, crítico acutilante dos poderes acomodados, igual a si próprio, exactamente como (re)encontrei no Seixal, depois de longas ausências, interrompidas em Outubro de 2008 em Praias do Sado – quando participámos numa sessão evocativa dos 40 anos da passagem – como então dei conta neste blogue - de uma importante sessão de Canto de Intervenção que em 1968 se realizou  com a participação do Zeca Afonso, o Francisco Naia e os outros cantores, com centenas de oposicionistas a assistirem, e que tomou tais proporções que levaram à sua interrupção pela PIDE e pela GNR e à fuga dos cantores para não serem presos. Depois disso encontrei-me com o Víctor mais duas ou três vezes. Não eramos amigos íntimos, mas haviam afinidades electivas que muito nos aproximavam e era uma festa quando nos encontrávamos. Navegávamos no mesmo barco da irreverência e da utopia, dessa “tribo” indefinível dos Homens e das Mulheres livres.

No seu último aniversário tive um convite para estar presente, que com muita pena declinei por via de uma qualquer actividade “inadiável”.

Eu sei "que nunca mais acenderás no meu o teu cigarro, meu irmão"


No domingo o Chico Naia telefonou-me para me dizer que o Victor Serra tinha morrido. Tinha 60 anos e tinha a sofreguidão do Amor no olhar. Deixo estes seus poemas, uma breve biografia e… o seu exemplo da urgência do Amor, da necessidade imperiosa e irreversível de Viver plena, intensa e sofregamente cada minuto que nos é "permitido" tocar as estrelas, de saber Amar e saber ser-se Amado… enquanto é Tempo!


DEIXO-VOS O PERCURSO
DO DESCONTENTAMENTO....
....DEIXO-VOS A UTOPIA
FAÇAM DELA O QUE QUISEREM....


/....Estarei por fora
Em todas as memórias do silêncio
e não me enquadro nesta sociedade
onde os homens não têm
a criatividade de fazer do amor uma razão de ser.
Invento o amor devagar
em cada gesto
e toco a luz dos meus olhos
em cada rotura à rotina da mediocridade
para me reinventar todos os dias .../



BIOGRAFIA RESUMIDA

VICTOR SERRA

Poeta e Animador Cultural
Nascido em Setúbal em 1950
No Largo do Sapalinho
Publica:
O Livro " Estar por Fora "
Edita em Antologias de Poesia
Escreve em Jornais
Referido no Livro :
"Setúbal Terra de Poetas e Cantadores"
Membro fundador :
Grupo Teatro " Teia "
Grupo Teatro " Sobe e Desce "
Grupo Teatro " Voces Acesas "
Emissor 225 (1969)
Emissor Regional Setúbal
Cantar José Afonso
Banda do Andarilho
Associação José Afonso
Animador Cultural:
1º Canto Livre-Praias do Sado
1º Livro de Luis Vicente
Estreia "As Horas de Maria"
Homenagem José Afonso
Actor de Teatro Amador
1º Festival de Palhaços( Dedicado ao Palhaço Kinito )Festa ao Pintor Alberto Reis
Cantar José Afonso (8 anos)
Produtor de Espectáculos
Recitais de Poesia
Festa Homenagem ao Dimas
Na Direcção:
Clube Recreativo Palhavã
Circulo Cultural Setúbal
Colaborador :
Em Rádios Locais
Exposições de artes
Exposição de artes em 10 colectividades
Recitais no Café Guarany e Bar Triplex (Porto)
                                                                           NO CAFÉ GUARANY - PORTO


POEMAS de Victor Serra


EM CADA LAÇO QUE EMBARAÇA A TUA PELE


Para : Graça Moura


Nua nas dunas do vento
E na língua de fogo da gruta
Que me engole o mar
Fonte da tua fonte
Em cada gesto


Toco no canto da muralha
Abro no meio da floresta
Num casulo de precipícios
Na mina de todos os lugares


Em cada percurso de linho bordado
São mãos dentro de mim
Em cada laço que embaraça a pele
Tocando o sol onde nasce a luz


E pela ponta dos teus dedos
Bebo o néctar dos teus seios
Para te incendiar cada prazer
Riacho desaguando devagar
Na lua perdida e aberta ao fogo
Victor Serra
11/4/2011






NO BRANCO DA SAUDADE




De pele é a luz do encanto
De sede é o prazer e o horizonte


Por onde me perco e me vou
Na busca da fonte e do tempo perdido


Nos lábios bebo o mel das flores
E nas arpas oiço o silvo do prazer
Quando te perdes e libertas dos silêncios


Vou sempre devagar e lentamente perder-me em ti
Como quem escala e busca uma gruta na montanha
E deixo levar-me pelo corpo nu e belo da entrega


Sinto-me como deus amando o universo e as estrelas
E quando mais te libertas em mim... mais vou voando
Voando como quem voa para o planar no paraíso

É belo acordar no branco do altar e sentir o mosto
Descendo pela brancura dos teus seios
Enquanto o arfar do desejo se encontra nas tuas mãos de fada
E no meu corpo possuído por ti


Leva-me sempre como quem leva uma flôr entre os dentes
Numa dança de me pendurares numa nota de música
E deita-me como quem deita um cristal


Vem trazer-me os dedos e as mãos deslizando em mim
Como quem procura algo que nunca tenha encontrado
E perde-te no mais belo dos prazeres
Victor Serra
27/9/2010
Uma Vida Num Saco Plástico


Coloquei uma vida dentro
Uma dúvida e um beijo
Um pedaço de sol e o teu olhar
Cobri de camisas e peúgos usadas
E coloquei num espaço pequeno
O meu grande amor por ti


Fui dando corda
Aos atacadore dos meus sapatos
E mudei de terra


Já não me deitava com o nascer do sol
Nem ouvia os gatos acordarem ao som dos pássaros


Desfrutava de ameixas vermelhas de prazer
E eras a mais bela de todos os meus amores

Tinha colocado o sonho na lua
E o amor era o que de mais belo acontecia
Nem me lembrava já como era viver sózinho


Trazia-te comigo todos os dias
Embrulhada em baba de camelo
Para te saborear os seios
E fui teu como nunca fui de ninguem


Tinha encontrado os lenços de acordar borboletas
E na cama de linho desfrutavas de mim
Como nunca eu tinha desfrutado de ninguem
Atado com túlipas de beijos


Não me deixes ficar em nenhum saco de plástico
Nem me reduzas a copos de um qualquer bar
Quero encontrar-te todas as noites no meu corpo
E nunca mais ter de mudar os sacos da minha vida
Nem sentir que o espaço não é meu.............
Victor Serra
12/4/2010


ANGÚSTIA


Desfraldo no vento a memória
Hesito em me encontrar com as nuvens
Enrolo-me no pensamento do passado
E vou pelo teu corpo descendo
Para me encontrar na gruta dos pássaros
E pintar de branco a descoberta do sol


Pinto riscos de giz nas dobradiças
Ato os nós das cordas do embaraço
E espero os dias do meu perfil
Nas coxas suadas do horizonte


Só me resta tomar de ti os lábios
Sentir a tua boca e a língua da cobra
No descamisar da pele nas dunas do início
Deste medo que me envolve de perder o jardim


Que lado da noite viajo para te encontrar
Que lado dos templos fica o paraíso
Para onde vai o regresso das camas desertas
De onde me deito e depois me levanto
Para te levar coberta de seda
Como se eu acreditasse em fantasmas


Monta as éguas brancas em direcção
Às angústias
Vai desenhando palavras nas tuas perólas
Trás conchas fechadas de poemas
E desejos em todas as madrugadas
Porque não quero
mais fugir de mim


Victor Serra
10-2-2010



CORPOS


Encontro no teu ventre
O sonho de me perder
E nos teus lábios
Acordo todas as madrugadas


Descendo pela tua pele
E pelo teu corpo
Entendo como se levanta
O vulcão do teu prazer


Rasgo a fúria
De me fechares nas tuas pernas
Enquanto brota de dentro de ti
O rio que leva o néctar
À floresta das túlipas


Somos amantes das cavernas
E das trompas que tocam
Num rufar de pernas e abraços
Deitados no chão das montanhas


Quero possuir-te na concha dos deuses
Em espaços para não adiar o amor
Inventando lugar de encanto
Em camas de todos os prazeres
Víctor Serra,
2009

(Biografia, poemas e fotos do blogue Victor Serra Poeta)




O Victor Serra morreu!

Viva a sofreguidão inadiável de VIVER e de AMAR!

2 comentários:

Menina Marota disse...

Uma perca que, quem gosta de Poesia, lamenta profundamente.
R.I.P.

Graça Pereira disse...

A morte é sempre um escândalo!
Mas pergunto: quantos terão vivido tanto e tão intensamente, num curto espaço de tempo? Sim, porque 60 anos é muito pouco tempo para se ter vivido tantas vidas...
Bonita e sentida a tua honemagem.
Perdeste um amigo, o mundo perdeu um lutador e aqueles que, como eu, amam a poesia, perderam um grande poeta.
Mas...não deixaremos ficar num saco de plástico...Tomei a liberdade de copiar alguns poemas que merecem ser evidenciados - quem sabe - um dia, no meu blog!
Hoje, o perfume de larangeira, chega longe...
Beijo
Graça