este ano comemorei o “25 de Abril” de diversas formas:
Quadro 1:
Enquanto no Alentejo, no rescaldo do dia de Páscoa - fraternalmente passada em família, porque a tradição ou o costume assim aconselha – ia-se ao campo comer o borrego, eu saboreava o mar salgado, o mar imenso, entre a areia, o Sol e o sal, deslizando em breves mas muito envolventes e apaziguadores “percursos” por entre a forte rebentação...
Quadro 2Ao anoitecer ainda com o sabor do sal na pele, ainda sentindo esse saborear do mar em mim entrei num cinema e vi um filme acabado de estrear. “48”, ou como se lê no “ípsilon”- provavelmente o melhor suplemento publicado a imprensa portuguesa em título: “Há vidas inteiras que contam a história do país e em caixa: “48 anos de ditadura, 37 de democracia e um filme - ´48´.de Susana de Sousa Dias – sobre a tortura durante o Estado Novo, feito a partir das fotografias do cadastro da PIDE…” (Susana Moreira Marques) ou como refere na crítica Luís Miguel Oliveira: “Cansados de ler os proverbiais ‘colunistas de direita’ semana sim semana não a lembrarem que nasceram depois do 25 de Abril como se isso os desimplicasse de alguma coisa, ‘48’ é o filme da implicação absoluta, independentemente da data de nascimento. E fá-la (ou fala-a, sem a ‘dizer’) apenas através de um minucioso trabalho sobre as suas formas e os seus materiais.(…)”
Um filme pungente, onde alguns presos políticos comentam as (suas) imagens dos arquivos da PIDE, polícia política do fascismo que os humilhou, os torturou física e psicologicamente -, num exercício que sentimos doloroso, que por vezes lhes deixam a voz embargada e onde também há o choro como acontece com Álvaro Pato, o mais novo preso, preso em 1973. Este conta que um dia, quando tinha 13 anos e estava a brincar com outros miúdos na rua, foi abordado por uma desconhecida que o chamou, disse-lhe o nome do avô e perguntou-lhe se ele o conhecia; depois disse-lhe que era a sua mãe, prisioneira política tal como o pai e antes a viverem na clandestinidade e, de quem ele nem sequer tinha uma fotografia.
Para Álvaro Pato é mais difícil falar sobre a infância e a família do que sobre a tortura. “A dor da pancadaria deixa de se sentir. A outra não”. Neste filme “passam” fotografias dos arquivos da PIDE e houve-se a voz, de entre outros, Conceição Matos, Manuel Martins Pedro, Adelino Pereira da Silva e sua mulher presos na mesma altura, ou entre outros, Maria Alice Diniz Parente Capela, Domingos Abrantes, António Gervásio ou o moçambicano Matias Mboa ou um opositor angolano que conta que na prisão onde esteve em Luanda, espetavam pregos na cabeça dos presos e mandavam-nos embora, que davam uns passos e caíam mortos.
Conceição Matos
Na sala de projecção estavam três pessoas no total. Uma saiu ao intervalo…. Afinal porquê ver um filme difícil, duro num dia suave de descanso, feriado nacional?… mas no final fiquei a pensar: como era possível num país tão bonito, tão suave e tão sereno como o que há pouco saboreei no mar, como era possível acontecerem horrores como estes?
Neste nosso tempo em que o capitalismo selvagem nos tem vindo a impor o consumismo exacerbado de produtos supérfulos e desnecessários para a Felicidade, nos tem vindo a impor cada vez mais o fanatismo do futebol – será que é um saudável acto desportivo saber a marca das cuecas do Ronaldo e com quem este dormiu no dia X ? – e tudo isto em troca do quê, em troca de um vazio de ideias e de ideais, vazio que predomina de uma forma quase totalitária. E, neste orgia de vazio de valores, de ausência da procura da Beleza, da Beleza da Vida, da comunhão e do respeito pela natureza em que os mais velhos esquecem ou não querem recordar como era dantes e os mais novos, afogados nos telemóveis de última geração, não obstante serem muitas vezes analfabetos funcionais, afogados no vazio dos shots e na música (?) ensurdecedora e a metro e quase sempre medíocre não conhecem nem querem conhecer porque isso é para velhos. Claro, é que eles não sabem que hoje têm LIBERDADE porque houve uns jovens - que hoje são velhos ou já morreram – que por terem ideias e ideais foram presos, espancados, humilhados, torturados – as horríveis torturas da estátua, do sono – e até mortos.
Quadro 3Crato, Biblioteca Municipal, dia 29 de Maio.
“A LIBERDADE nunca é demais, não é mensurável, existe ou não, é plena, é total e pressupõe desde logo o respeito pelo outro” dizia João Andrade da Silva, um dos Capitães de Abril, que em Vendas Novas, na noite de 24 para 25 de Abril tomou de assalto o quartel, chefiou uma coluna que, sem ainda saber que o golpe ía resultar, vieram estacionar no Cristo-Rei com o objectivo de dar cobertura às tropas do Salgueiro Maia do Terreiro do Paço que estavam desguarnecidas pelo flanco do rio Tejo caso os barcos da Marinha ía estacionados se mantivessem fiéis à ditadura, o que felizmente não aconteceu. O João (Andrade da Silva) tinha então 25 anos.
E disse mais. Que quando estava no liceu do Funchal recorda-se como era proibido namorar, beijar, no espaço de 300 metros em volta da escola porque era considerado um atentado aos bons costumes e quem fosse apanhado [nesse natural prática de Beleza e de exaltação dos sentidos] era sancionado disciplinarmente. O coronel Andrade da Silva falava para jovens dos 9º e 10º anos da Escola Secundária do Crato na Mesa-Redonda “25 de Abril – Cantar a Liberdade no Alentejo”, que moderamos, onde também participaram o antigo dirigente da Reforma Agrária de Foros de Vale Figueira – Montemor-o-Novo, Custódio Gingão e o cantautor, músico e compositor Francisco Ceia, , no âmbito da Exposição então inaugurada na Biblioteca do Crato “PREC Cantar a Revolução no Alentejo.
Terminámos e terminamos com uma mensagem de optimismo e de esperança, de nque é possível viver em cada momento da História, por mais sombrio que pareça, da necessidade de um regresso à Terra – entendida como Mãe-nartureza - mas também que esta geração, (ou pelo menos uma parte dela mais informada) é a mais preparada cientificamente, desde sempre, que depois de estudar fique na sua Terra, participe e desenvolva a sua vila, a sua cidade e a sua região e não abale para as grandes cidades ou para o estrangeiro (Custódio Gingão que também foi emigrante) e que não permite que lhe tirem a LIBERDADE, porque as mudanças, as revoluções (ou a defesa delas e da dignidade) e feita por jovens, como aconteceu em Portugal, como tem estado a aconteceu nos países árabes “nós, os mais velhos, estamos solidários, acompanhamos, mas são vocês, os jovens é que são os protagonistas, vocês é que fazem”. (Andrade da Silva)
3 comentários:
Ótima resenha de uma realidade que não é só de Portugal mas também do mundo...agora nos resta esperar a antítese, quem sabe uma geração mais consciente...quem sabe.
Um abraço
Foi lindo viver a Liberdade assim...com aqueles a quem o facho de luz pátrio foi passado. Os mais velhos, são os testemunhos mas, os jovens, são o futuro!
beijo
Graça
Miguel Torga é efectivamente um dos maiores poetas e escritores de língua portuguesa! Mas seria bom transcrever também o que há de novo...
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