4 de mai. de 2008

1º de Maio em Terra Vermelha

Chama-se Terra Vermelha e tem por subtítulo Crença e Insubmissão no Alentejo do Século XX o mais recente livro de Paulo Barriga. Trata-se, como se pode ler na badana, de "Um livro de histórias do Alentejo. Do Alentejo profundo. Do Alentejo rural. (...) estas são reportagens históricas, umas vezes mais lúdicas, outras mais etnográficas, outras mais documentais. São artigos que, no seu todo, consubstanciam uma grande reportagem sobre uma certa «História do Alentejo rural», ou como também se pode ler na contracapa: "Nas páginas deste livro o leitor descobrirá a história insubmissa e por vezes sangrenta do Alentejo e das suas gentes no século XX português. Pela boca dos protagonistas, testemunhas vivas por via da oralidade, por via da propagação da memória colectiva, chega-nos o uso que estas pessoas dão e querem dar à História. À sua História.»



Com chancela da Editora Guerra e Paz e prefácio de Francisco Camacho, trata-se de um conjunto de 10 reportagens, embora algumas com títulos diferentes, foram publicadas entre Novembro de 1999 e Janeiro de e 2005 na Visão e em O Independente. Na segunda parte nos fala de crença, desde o «triângulo vermelho» , cujos vértices são Pias, Vale de Vargo e Baleizão" , a "Sociedade de Caixões de Corvos", a dois passos de Mértola, os ovnis de Santana de Cambas, "o milagre da motorizada" da Nossa Senhora das Choças, ali para os lados de Amareleja, até à «Atlântida é aqui mesmo», no sudoeste peninsular, onde terá existido, há mais de 2 mil anos a misteriosa civilização dos Tartessos, como refere o mais prestigiado arqueólogo português da actualidade, que apresentou o livro numa sessão recentemente realizada na FNAC em Almada.



Mas na parte inicial passa em revista momentos marcantes do Alentejo, trágicos, épicos e de grande emoção. Como foi desmatelada a primeira comuna existente em Portugal, mas propriamente no Alentejo, em Vale de Santiago, criada em 1917 por um grupo de sapateiros libertários tolstianos "com os bizarros objectivos de banir a propriedade individual e de praticar o vegetarianismo" tendo como finalidade atingir um patamar de «crudivirismo» e implantar o nudismo na vida comunal, onde pontificava Antóni0 Gonçalves Correia - que tivemos o prazer de debater e "homenagear" na sua aldeia natal e em Castro Verde em 2002 - . Acontece que apenas durou um ano e meio, pois foi arrasada no rescaldo da Greve Geral contra a carestia de vida em 1918, que nesta zona tomou carácter de revolta com um conjunto 60 populares armados de espingardas e entricheirados no Cerro Alto, que só se renderam, vários dias depois de sitiados pela tropa, após um acordo conseguido por José Júlio da Costa, conhecido lavrador da vizinha vila de Garvão - freguesia de onde sou natural. Mas as autoridades não cumprem a sua palavra e espancam, prendem e deportam para Luanda os revoltosos desarmados que não conseguem fugir. José Júlio da Costa «uma passoa conhecida pelo seu temparamente arrebatado , nunca conseguiu viver com a sombra da traição a pairar sobre si»e, menos de um mês depois, a 14 de Dezembro, mata o Chefe de Estado, Sidónio Pais, na Estação do Rossio. Estava lavada a a Honra deste meu patricio.



Mas Gonçalves Correia tinha uma outra filosófia de Vida. O ideólogo da primeira comuna portuguesa, onde viveram 10 homens, 5 mulheres e algumas crianças, era, segundo Raul Brandão que o entrevistou, escreve em Os Operários que « o senhor Gonçalves Correia, caixeiro-viajante, vegetariano, tolstoiano, cheio de ideias generosas, é um revolucionário que quer levar a humanidade a uma vida mais perfeita e mais bela pela bondade». Ideiais, postura que merecem a minha mais activa e empenhada simpatia.

De outros momentos épicos de Alentejo no Século XX nos fala Paulo Barriga, até ao início da Reforma Agrária, em Dezembro de 1974. Mas termino com uma referência à reportagem sobre a " a história de amor entre um homem e uma rapariga que foi mulher antes de ser estátua" . Refiro-me a Maria Catarina Eufémia Baleizão, a jovem camponesa assassinada por um tenente da GNR em 1954, ceifeira que mais tarde se transformou numa verdadeira lenda das lutas rurais no Sul de Portugal. Aqui faço um parentesis, eu que sou um sonhador, como diz uma amiga minha, romântico qb, não posso deixar de me impressionar, de me emocionar por esta história de Amor intitulada "0 marido da mulher de bronze". . . "antes de se transformar no mito de Maio, quase mariano, catarina foi filha, esposa e mãe. Foi de carne e osso. E amou. Que o diga António Joaquim do Carmo que ainda hoje" - recentemente desaparecido, pois a crónica reporta-se a 2004 - "debaixo da sua boina preta, espreita pela fricha da janela da casa o busto de bronze da sua mulher como se a estátua fosse viva. E ali estivesse para ele, eternamente jovem, como jovem era no tempo em que escreveu as cartas que ficam.

Estou a escrever-te da Ilha da Madeira. (...) Não esmoreças, o tempo passa e não pára. E há-de chegar a hora de unirmos os nossos dois corações. Nuca duvides de mim que eu amo-te com toda a força da minha alma. Nunca poria outra no teu lugar. Estás fechada no meu peito e ninguém mo pode abrir, só tu e mais ninguém. (...) Um beijo. (...)




Querida Catarina, cheguei ao destino para te dar as minhas notícias. Eu encontro-me bem, na companhia de todos os os camaradas soldados como eu. (...) Não há que esmorecer. Se não houver nada em contra chegará a hora de nos encontrarmos como dantes e trocarmos as nossas impressões. De nos acariciarmos um ao outro. És sempre minha como eu sou teu. Eu penso desta forma e certamente será também esse o teu pensamento. Um beijo.(...)



O amor uma planta que
Nasce dentro do peito. Tem vezes
Que se não dobra, nem a
Farsa nem por guito.






António Joaquim do Carmo

que nos diz, que «Certa noite de saudade, saltei o muro do cemitério, cheguei ao pé da sepultura da minha Catarina que adorei em vida e idolatro em morta. Disse-lhe algumas palavras que se ela as pudesse ouvir ficaria certamente comovida.», que segundo uma amiga de infância, Antónia Leandro «Catarina era a moça mais bonita da sua geração e cantava que nem um rouxinol»









Despeço-me... sem palavras... apenas acrescentando que no dia 1º de Maio percorri num ápice este Alentejo, Terra Vermelha, depois de participar num debate ao fim da manhã, em directo aos microfones da Rádio Azul, sobre o PIDE e a censura no Estado Novo, indo de imediato para a Abelha onde decorria inauguração do Museu do Trabalho Rural, um excelente exemplo da valorização da Memória e da Identidade - que tem um grande destaque na revista Pública de hoje - deste nosso Alentejo que chega a todo o lado mas... aqui respira-se pleno, total. Este projecto museológico é coordenado pelo nosso Amigo José Matias, também molinologista para quem já tivemos o prazer de escrever o prefácio de um seu livro. Um abraço. Na Abela, e depois na Ovibeja - que guarda a magia secreta da cidade da planície que a alberga - revimos velhos amigos, como os artarcas de Santiago, Abela, o antigo autarca de Alvito, os jornalistas e escritores Carlos Júlio - recordam-se do Imenso Sul - e José Luís Jones ou a família Capela. Não obstante a saúde frágil , foi um dia pleno, passado na plenitude da Terra Vermelha.

2 comentários:

Anônimo disse...

A qualidade do trabalho do compadre Paulo Barriga fala por ele.
Grande abraço!

Anônimo disse...

Não sou muito dado à blogação - mais por falta de vagar do que por outra coisa qualquer - mas venho aqui a esta casa com a vontade de dar dois abraços valentes e rijos e de azinho. Um ao compadre Eduardo - vai estar na VOL brevemente com as suas aventuras na república da canção de intervenção - e outro ao firme poeta e amigo Luís Graça. Tomem lá!