2 de abr. de 2011

Sete Sonetos e Um Quarto...

Manuel Alegre nasceu em Águeda em 1936. Na crise académica de 1962 em Coimbra era já uma referência. Escreveu alguns dos mais belos que a voz que melhor cantou a saudade de ser português, contra a guerra colonial, pela Vida e pela paz - Adriano Correia de Oliveira, “esse calmeirão de alma lírica” que tal como Elis Regina morreu novo, afogado na mágoa da hipocrisia e da mediocridade que o rodeava. Para ele Manuel escreveu aquele que se tornou um hino dos estudantes e dos que enfrentaram a ditadura “Trova do Vento que Passa”, ao som da guitarra mágica de Fogo e Água de António Portugal, cantado pela primeira vez em público na Festa dos Caloiros, na Cantina do Hospital de S. Maria, Lisboa, Fevereiro de 1964.
Foi, enquanto autor, com José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e luís Cília um dos precursores do Canto de Intervenção, movimento musical e poético - que tendo em Zeca Afonso o "pai espiritual", enquanto génio maior deste movimento, foi a matriz e a génese da Nova Música Portuguesa, isto é o que de melhor acontece actualmente em Portugal na criação e produção musical.


Incorporado compulsivamente no serviço militar em 1962, participou numa tentativa de sublevação no Açores e em 1963 numa tentativa de golpe em Angola – pouco conhecida - onde foram presos dezenas de militares, desde milicianos a capitães e coronéis . Viajou prisioneiro e estava com residência fixa em Coimbra, quando “às escondidas” da polícia política foram a Lisboa cantar a "Trova". Deu “o salto” para Paris quando a resistência o avisou que ia ser de novo preso. Conheceu Luís Cília nas margens do Sena; escreveu duma assentada...



Venho dizer-vos que não tenho medo
A verdade é mais forte que as algemas
Venho dizer-vos que não há degredo
Quando se traz a alma cheia de poemas




… que Cília musicou de imediato e depois editou no disco Portugal Resiste



Oposicionista convicto foi comunista e depois de 64, em Argel abraçou a guerrilha da palavra aos microfones da Rádio Portugal Livre, onde ele e Fernando Piteira Santos dirigiram a resistência no exílio à ditadura do professor de finanças que destruiu o futuro irremediavelmente de várias gerações neste país, Oliveira Salazar, afinal o todo poderoso lacaio-mor dos grandes interesses agrários, financeiros e industriais – futuro hipotecado que ainda hoje se faz sentir. Em Argel Alegre privou com figuras decisivas da lusofonia como Amílcar Cabral, Eduardo Mondlane e conheceu Che Guevara. Grande Poeta, viu a sua poesia cantada ter uma grande divulgação, chegando o seu livro O Canto e as Armas e ter edições de 10 mil e 20 mil exemplares na década de sessenta.

Regressou a Portugal e rapidamente receando acontecer cá o mesmo que no Chile de Allende, como refere, juntou-se aos moderados, teve pontualmente cargos governamentais, mas foi sobretudo um parlamentar respeitado e aplaudido de pé por todas as bancadas quando há pouco anos abandonou o Parlamento.



Foi duas vezes candidato a Presidente da República
Mas tanto as traições de velhos companheiros socialistas e de alguns boys do seu partido, assim como o conservadorismo da direita, que não lhe perdoam ter lutado contra a criminosa guerra colonial, como se isso é que fosse crime, como até uma parte da esquerda que não esqueceu ele por ter optado pelos socialistas de Mário Soares, não lhe permitiram ser Presidente de Portugal e termos um Poeta na Presidência, uma Homem de Cultura, um Humanista, assumidamente de esquerda, com uma visão aberta ao mundo ao contrário da visão estreita, provinciana e neo-liberal do actual presidente.
Portugal não teve o discernimento, como os irmãos brasileiros souberam eleger Lula e Dilma, um Presidente operário e uma Presidente guerrilheira. O Brasil superou a crise e Portugal não… essa é a diferença entre sermos governados por grandes ou por pequenos estadistas…

Manuel Alegre, escritor consagrado é um dos mais importantes poetas de língua portuguesa de todos os tempos… e em 2000 deu-me a honra de escrever o prefácio de um livro que publiquei sobre uma temática que tão bem conhece e viveu Cantores de Abril. Entrevistas a Cantores e outros protagonistas do Canto de Intervenção. (Edições Colibri)


De Alegre, partilhou excertos deste seu belo livro de sonetos...
espero que gostem...


Bendita sejas tu porque mulher
bendita sejas não porque te dás
mas porque o teu prazer é o meu prazer
e só no teu prazer encontro paz.


Correrão muitos rios mas o teu
é o que me leva às águas do baptismo
contigo em cada orgasmo eu subo ao céu
noite a noite contigo eu vejo o abismo.


Corre o Jordão e o Tigre os rios correm
contigo em cada orgasmo eu me baptismo
contigo noite a noite a dor e o riso.


Nas curvas do teu corpo os diabos morrem
bendita sejas tu porque me levas
onde a luz do prazer nasce das trevas.



 
Gostava de morar na tua pele
Desintegrar-me em ti e reintegrar-me
Não este exílio escrito no papel
Por não poder ser carne em tua carne.


Gostava de fazer o que tu queres
Ser alma em tua alma em um só corpo
Não o perto e o distante entre dois seres
Não este haver sempre um e sempre o outro.


Um corpo noutro corpo e ao fim nenhum
Tu és eu e eu sou tu e ambos ninguém
Seremos sempre dois sendo só um.


Por isso esta ferida que faz bem
Este prazer que dói como outro algum
E este estar-se tão dentro e sempre aquém.

Eu não sei se me salvo ou se me perco
Ou se és tu que te perdes e me salvas
Só sei que me redimo quando peco
E corpo a corpo ao céu vão nossas almas.


             Manuel Alegre
Sete Sonetos e Um Quarto
Desenhos de João Cutileiro
           Dom Quixote, Lx, 2005

3 comentários:

Guaraciaba Perides disse...

Portugal e Brasil,Criador e Criatura, tão diferentes e no entanto tão iguais!
Um abraço

Anônimo disse...

Obrigada por ter se tornado meu seguidor. Certamente farei parte deste que é um encanto e de grande riquesa.
Paty Magu
http://inebriarempoemas.blogspot.com/

Graça Pereira disse...

Gosto da poesia de Manuel Alegre e tenho pena das oportunidades perdidas...
Mas tb gosto da prosa ternurenta de "Cão como nós" e descobri que os Grandes...têm alma de criança!
Beijo
Graça