13 de fev. de 2009

Nos 90 anos de Mestre José Salgueiro ou a pureza da Terra


Mestre José
Salgueiro homenageado no Casa do Alentejo







Foi um dia inolvidável! Não há palavras que descrevam a pureza do momento!

No dia 7 de Fevereiro, sábado, a Casa do Alentejo foi palco de uma sentida homenagem ao Mestre José Salgueiro, natural e residente em Montemor-o-Novo. O homenageado, com a sua invulgar capacidade comunicação empolgou a assistência, onde, numa assistência constituída por pessoas do meio literário, artístico, musical, associativo e autárquico se viam pessoas oriundas de Montemor - a amiga Manuel Rosa, o autarca António Danado, os filhos e netos do Mestre Salgueiro e outros montemorenses -, de Évora - os amigos Teresa Cuco, poeta, e João Cágado, músico, para além de muitos alentejanos radicados na grande cidade como o encenador Hélder Costa, natural de Grândola – e colaborador na Revista Memória Alentejana - ou a poeta Rosa Dias, natural de Campo Maior, ou ainda os poetas Nogueira Pardal de Aljustrel, Maria Olivia Sampaio e Maria vitória Afonso, estas últimas do Círculo Nacional d'Arte e Poesia, ou ainda o dirigente do Ateneu Eduardo Cottez, médico.





A sessão iniciou-se com a interpretação de temas do Cancioneiro tradicional, a cargo do Grupo Coral Feminino “Brisas do Guadiana”, que estavam de visita à Casa e fizeram questão de participar na Homenagem. Depois prosseguiu com a apresentação do livro Relatos de uma Vida, poesia do homenageado. Usaram ainda da palavra os presidentes da Casa do Alentejo e do CEDA, respectivamente João Proença e Francisco Naia, o Vice-Presidente do Município de Montemor, António Danado e o responsável pelas edições Colibri, Fernando Mão de Ferro.
A apresentação do livro esteve a cargo de Eduardo M. Raposo, director da Revista Memória Alentejana e amigo do homenageado, que foi autor do prefácio – e de que deixamos o registo em anexo. Mestre José Salgueiro, antes de fazer uma sugestiva prelecção sobre os benefícios das plantas e de uma alimentação saudável que cativou e divertiu a assistência pela sua vivacidade e sentido de humor, fez questão de agradecer a cada um dos membros da mesa, com destaque para Eduardo M. Raposo, pelo empenho deste na publicação de mais este livro do Mestre Salgueiro e pela organização e divulgação desta homenagem.






No final Francisco Naia, acompanhado de José Carita e Ricardo Fonseca, interpretou temas do seu repertório e tradicionais alentejanos e… a festa prosseguiu com o Vinho Tinto de Honra, acompanhado de queijinhos e enchidos alentejanos, ao som dos versos quase a despique por Rosa Dias e Mestre José Salgueiro. Foi um dia inolvidável! Não há palavras para descrever a pureza do momento! …
Como sublinharam alguns participantes no final, ao darem os parabéns aos organizadores desta importante realização, que esteve a cargo do CEDA e mereceu o apoio do Município de Montemor-o-Novo, da Casa do Alentejo e das Edições Colibri.











O Mestre

O Mestre José Salgueiro é uma força da natureza. É-o pela sua capacidade inata de, com ela dialogar, capacidade desenvolvida ao longo de quase nove décadas em que soube “ouvir” e “beber” os ensinamentos
ancestrais da Mãe-Natureza e, que nos últimos 40 anos, a tempo inteiro, depois de abandonar a sua profissão de sapateiro, tem vindo a pôr em prática o que de melhor a Natureza nos sabe ofertar, quer através dos sabores divinos das suas ervas, quer enquanto alquimia de regeneração da Vida.










Mas a energia positiva que Mestre Salgueiro espalha em seu redor, reside muito numa prática saudável do que aprendeu a “ler” na Natureza, e que foi ao longo da vida apreendendo e desenvolvendo uma muito própria postura de preservação e respeito supremo pela Natureza, numa sábia co-habitação espacial com esta rica, diversificada e bela paisagem alentejana – que nos emociona e nos lava o olhar e a alma -, humanizada há milénios, num diálogo de tolerância e de respeito mútuo.






Nesta terra suave onde gosto de ir e de estar, onde gosto de ficar a contemplar o horizonte do cimo do seu Montemaior – concelho de onde o Mestre é natural, onde sempre viveu e vive – e do seu castelo, lugar mágico, de silêncio e reencontro. Terra que me encanta e apazigua, em comunhão plena e quase incestuosa com a Natureza, onde encontro pessoas muito especiais, amigos, patrícios do Mestre Salgueiro, praticantes exímios, também eles, deste diálogo permanente e apaixonado com a Mãe-Terra; e refiro-me ao Manuel Casa Branca que transporta para a tela o gesto indelével de coreografar o Montado e ao Alexandre Pirata e à sua paixão e prática de amante apaixonado das suas abelhinhas. Com eles já organizámos excelentes passeios campestres - o último dos quais com o Mestre Salgueiro - e certamente outros vão acontecer.

























Homem dos sete ofícios, Mestre Salgueiro, “na juventude foi jogador de bola, músico e mestre de orquestra. Mas a actividade era tanta que ficou doente. Hoje é campeão de damas a que dedica parte dos dias, estudando lances. Este seu hobbie levou-o a percorrer o país participando no mais diverso tipo de torneios. A poesia popular é outro dos seus passatempos, descrevendo-nos as dificuldades dos tempos antigos, aos animais ou as forças da natureza – como o seu rio Almansor - ou ainda às plantas. Também aqui arrecadou diversos prémios em jogos florais ou jogos diversos através «dessas palavras tão fortes que muitos vão combater».
Ardente inimigo do tabaco publicou artigos em jornais sobre os perigos do tabaco. Defensor duma alimentação equilibrada diz que «não comer carne é um disparate pois o organismo precisa e assimila todas as substâncias ingeridas. Mas a carne deve-se comer apenas duas ou três vezes por semana». O que deve fazer parte duma alimentação saudável «não deve faltar diariamente são as saladas” que podem e devem ser feitas à base duma grande diversidade de plantas, muitas delas ervas espontâneas. Ainda sobre a alimentação diz-nos que começa o dia “tomando sumo de cenoura com duas colheres de limão», realçando ser este o pequeno almoço com maior riqueza vitamínica”, escrevíamos em 2005 na Revista Tempo Livre.
Ainda sobre o seu anterior e muito divulgado livro Ervas, Usos e Saberes – Plantas medicinais no Alentejo e outros produtos naturais – de que já saíram três edições, - escrevíamos nesse mesmo ano na Revista Memória Alentejana (nºs 15/16 – 2005)
“Da subtileza dessas coisas, milenares e únicas e invencíveis e frágeis como o canto do rouxinol, das ervas nos fala o Mestre, José Salgueiro, octogenário, com doutoramentos vários feitos no saber ancestral da terra ardente, dos humanos e das plantas…”






Mas não é para falar dessa tão rica e plural diversidade feita de forma tão peculiar – que chegou até fazer desenhos nas paredes, um auto-retrato em tamanho natural, como nos recordava recentemente, qual pioneiro avant-la-letre da arte dos graffitis. Fui encarregado da tarefa de escrever o prefácio deste livro de poesia Relatos de uma vida – quase um diário de oito décadas tal a diversidade cronológica que encontramos neste trabalho, embora a sua passagem para o papel não ultrapasse as duas décadas. Mas falar do Mestre Salgueiro Poeta, poeta popular que é, implica falar do Homem no seu tempo e no seu espaço, o Homem no seu todo, porque o Poeta, a poesia nasceu nesse contexto e nesse caldo de cultura, sem as vivências, a postura e as opções humanas e humanistas de José Salgueiro não haveria lugar para o poeta… ou havendo, para outro que não este poeta, autor deste livro que está nas vossas mãos.

Mestre José Salgueiro tem o dom inexcedível da palavra. Poeta da palavra. Da força e do poder da palavra, marcante e perene na tradição milenar mediterrânica. Poeta da escrita. Na sua poesia, dita popular, de forte componente temática popular, feita de uma grande diversidade com estrutura do tipo tradicional, com rima aparelhada ou cruzada, onde predomina a quadra, mas onde encontramos ainda quintilhas, sextilhas, décimas e redondilhas menores e maiores – respectivamente com sete, oito, doze ou catorze versos. Poesia eivada de um ritmo sincopado, por vezes quase vertiginoso. De um ritmo ao sabor da Vida, numa luta corpo a corpo, de suor e sangue. Poesia de combate. Poesia de Intervenção. Poesia, antes de mais, primeiro que tudo. De Salgueiro se pode dizer, como disse da sua poesia Mahmud Darwich, o «poeta nacional da Palestina», “Primeiro a poesia é poesia, e depois é que é poesia de resistência”.
A poesia de José Salgueiro é feita com rigor, a um ritmo cadenciado de quem sabe o valor de cada palavra e dimensão espacial e o sabor do som de cada palavra, apreendido pela intuição criativa e pelo autodidactismo da Vida.
Com um agudo sentido social, feito de uma vida dura e árdua ao longo de quase todo o século XX, nas mais duras condições como nos testemunha na sua escrita, feita também de desinquietação permanente, sempre atento e revoltado com as actuais injustiças, tem a clara lucidez de não confundir o alhos com bugalhos, e não vir dizer das injustiças e das pulhices institucionais dos dias de hoje “agora é pior do que no tempo do Salazar”, antes pelo contrário, “ o Salazar que foi o que mais mal fez aos pobres deste País”, como escreve na Nota de Abertura.




Preocupado e atento às questões que afligem a humanidade, cada poema é uma história renascida, desde a sua mais tenra infância – o mais longo, com 39 quadras e 37 sextilhas – onde nos relata a vida difícil da sua numerosa família nos tempos da infância – ou os malteses, até aos caminhos de um futuro mais harmonioso com que o Mestre anseia e nos transmite no “Diálogo entre o homem velho e o homem novo”, passando pela denúncia da destruição que os senhores da guerra vêem fazendo em tantas partes do mundo ou ainda as injustiças sociais que permanecem.





Poesia onde também o lirismo está presente, filiando-se porventura na nossa poesia lírica. Poemas de Amor, como “O Beijo” ou “Análise aprofundada sobre o Amor”, ou os poemas dedicados à memória do pai e da mãe, quando eles partiram, deixam-nos perceber o Menino que subsiste, não o menino ancião que o ciclo da vida fragiliza, antes o Menino-Homem renascido.
José Salgueiro, Mestre da Vida, Mestre da Poesia… ou simplesmente… o Mestre!

2 comentários:

Ezul disse...

Também guardo um cantinho do meu blog para o Zé Salgueiro e para as histórias dos passeios das plantas. A homenagem na Casa do Alentejo levou à cidade a imagem da sua vitalidade mas, como já sabes, nada supera a acção do mestre no seu ambiente - o campo onde sempre viveu, o rio e as terras que guardam a memória de um percurso cheio de sabedoria, de sofrimento e de luta. Existem laços entre as nossas famílias, num grau de parentesco afastado e indirecto mas que sempre foram muito valorizados. A irmã, a quem dedicou um poema no seu livro, era também uma força da natureza, era a pessoa a quem gostaria de dedicar um trabalho sobre as mulheres alentejanas.
Mas, voltando à homenagem feita na Casa do Alentejo, dou-te os parabéns pela actividade, pela poesia da terra e das vozes alentejanas.
Bonitas fotografias! E um texto rico de poesia e de sentido!
Bjos

perfume de laranjeira disse...

Obrigado pela tuas palavras, tão sentidas, tão verdadeiras como a Terra que tu tão bem sabes exaltar... e o teu blog, tão bonito, tão puro, é um grande exemplo da tua postura, da Poesia da Terra!
Naquele dia, tão especial, estava sereno pelo meu simples contributo, mas ao mesmo tempo estava com medo, muito medo de que aquela homenagem, tão singela, mas tão sentida, não estive à altura da estatura humana e intelectual daquele grande sábio da alquimia da Vida que é o Mestre Salgueiro e das pessoas que quiseram generosa e solidariamente esta presentes, das pessoas como tu, por quem tenho a maior admiração e me enchem de contentamento por com amizade podermos comungar pela Poesia e pela Vida! Obrigado Amiga!
Claro que gostaria que outos amigos tivessem estado connosco mas... sinto-me em Paz por ter cumprido a minha modesta missão.
Não sabia da tua afinidade familiar com o Mestre Salgueiro. Mas esse projecto que queres dedicar às Mulheres Alentejanas é muito bonito, é muito importante! Vai em frente!
Muita luz!
Bjs
Eduardo