18 de nov. de 2007

tertulia do Zeca: "Maria/Sol de madrugada/Flor de tangerina

no primeiro sábado frio deste final de ano, 17, convidado pelo meu amigo Naia, acompanhei-o a Praias do Sado, uma antiga aldeia onde o sal tinha um importante papel na economia local, até que, a partir dos anos 60 foi substituído por grandes empreas industriais como a SAPEC e a Setenave. Rumámos a uma colectividade popular com quatro décadas de existência, onde em 1973 aconteceu uma grande sessão de canto e poesia, com muitas centenas de assistentes, interrompida abruptamente pela PIDE que obrigou à fuga dos cantores. Entre eles estavam Zeca Afonso, A. P. Braga, José Jorge Letria, José Fanha e o próprio Francisco Naia...

Estava a receber-nos o amigo Acácio, um "velho guerreiro" do associativismo e... qual não é o meu espanto quando vou (re)encontrar velhos amigos de há mais de 20 anos, músicos/cantores da "Banda do Andarilho": o Albano, o Jorge Patrício, o Paulo, a Helena Guerra - que interpreta, com uma excelente voz, alguns temas do Zeca e fez um bonito dueto com o Chico, ficou espantada por me ver, exclamando: "Raposo, já não te via há 20 anos", e na despedida: "quando contar ao Zé António (o seu companheiro) ele nem vai acreditar". Reencontri também o Víctor Serra, velho amigo das tertulias literárias setubalenses de inícios de 80 - 25 anos atrás. E quando o Jorge, depois do jantar me perguntava o que era feito de mim, dei por mim a recordar-me 25 anos antes. Tão diferente, tanto caminho percorrido, tanta luta, tanta força para continuar a caminhada, na certeza da justeza das convicções, do que quero e do que sou e ... serei... tão diferente do jovem quase adolescente ainda, de então, tão cheio de dúvidas e incertezas da concretização dos sonhos que então já começavam a existir. As mudanças físicas foram infinitamente menores, pois senão estaria irreconhecível... então não sabia que a felicidade era possível... que se constrói, por vezes numa luta que julgamos só estar ao alcance dos deuses... mas apenas depende de nós... da nossa luta!


O Henrique Marques - amigo mais recente, representante da direcção da Associação José Afonso - que com o Rancho Folclórico de Praias do Sado e o Município de Setúbal, representado pelo amigo Daniel Ventura, organizaram esta tertúlia de homenagem a José Afonso -, referiu um facto que por vezes nos esquecemos: o Zeca "passa" muito pouco na rádio, acabam por "passar" mais outros interpretes que o cantam que o próprio Zeca. Outro aspecto evidenciado pelo Serra - poeta que disse poemas seus e que, com o Acácio e com o encenador e actor Luís Vicente, organizou a sessão de há 34 a nos atrás - o Zeca poeta, algo que é substimado e desvalorizado em prol do cantor e compositor inovador, genial, do homem livre, faterno, solidário... mas de que o poeta era, é também uma parte decisiva desta personalidade única. Porque esse é um aspecto extremamente importante como já referimos públicamente em locais diversos, deixamos um pequeno contributo, um dos seus mais bonitos poemas mas um dos temas menos conhecidos de José Afonso:



Maria

Maria
Nascida no monte
À beira da estrada
Maria
Bebida na fonte
Nas ervas criada
Talvez
Que Maria se espante
De ser tão louvada
Mas não
Quem por ela se prende
De a ver tão prendada
Maria
Nascida do trevo
Criada na trigo
Quem dera
Maria que o trevo
Casara comigo
Prouvera
A Maria sem medo
Crer no que lhe digo
Maria
Nascida no trevo
Beiral do mendigo
Maria
Nascida no trevo
Beiral do mendigo
Maria
De todas primeira
De todas menina
Maria
Soubera a cigana
Ler a tua sina
Não sei
Se deveras se engana
Quem demais se afina
Maria
Sol da madrugada
Flor de tangerina
Maria
Sol de madrugada
Flor de tangerina
José Afonso

Um comentário:

Alexandre Júlio disse...

Boa Noite Compadre Alentejano, com vista para o Mar da Palha!

Os batelões já não acartam palha porque os novos burros do terreiro do Paço já não a comem.

Mas na nossa memória continua bem presente o Zeca, esta justa e bonita homenagem, foi certamente, algo de invulgar, de recordações e memórias vividas na primeira pessoa em torno da personagem tambem invulgar, que foi o Zeca.
Era bom que tambem noutras paragens se repetissem estes gestos de singela homenagem a quem nos deixou tamanho legado, cultural, musical, humanista, de solidariedade, de homem íntegro, ..... .
Montemor seria um palco interessante para uma iniciativa dessa natureza.
Um abraço. Alexandre