23 de set. de 2020
A IMPORTÂNCIA DA CANDIDATURA DE ANA GOMES
O nosso (primeiro) contributo para a candidatura de Ana Gomes. Crónica publicada na edição de Setembro do mensário "Folha de Montemor", que saiu exactamente no dia da apresentação da candidatura na Casa da Imprensa, na passada quinta-feira, dia 10.
AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS, A ESQUERDA E O FUTURO DA DEMOCRACIA
A IMPORTÂNCIA DA CANDIDATURA DE ANA GOMES
A questão central da defesa da democracia prende-se com as eleições presidenciais, tema da crónica desta edição. Presidenciais que num outro contexto – sem pandemia - seria actualmente o principal, ou pelo menos, um dos principais focos de atenção na sociedade portuguesa.
Recordo que estas têm lugar em Janeiro e enquanto não se quebra o tabu da recandidatura de actual presidente Marcelo Rebelo de Sousa – que só confirma em Novembro – mas que tudo indica será candidato, pois tem a eleição mais do que garantida. Neste contexto aumentam as dúvidas, as interrogações, as apreensões. Mas estas não surgiram hoje, existem desde quando em Maio passado Costa declarou querer voltar à Autoeuropa com Marcelo "no seu (dele) próximo mandato" em Belém. Mas se esta declaração do PM de apoio à reeleição do PR, ainda que indirecto, teve sequência cinco dias depois com Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, quando este declarou que votava em Marcelo, caso este se venha a recandidatar. Esta declaração de intenções levanta um problema, pois se o cidadão Ferro Rodrigues tem o direito de tornar público o seu sentido de voto, já as repercussões duma declaração deste teor da segunda figura do Estado são graves. E são graves porquê? Porque tal significa refazer o bloco central, quando o governo do Partido Socialista, de que Ferro é um dos principais dirigentes, governou na anterior legislatura com o apoio da esquerda parlamentar – com a famosa “geringonça” – e ainda que na actual legislatura tenha “navegado à vista”, colhendo apoios à esquerda e à direita, prepara-se agora para aprovar o próximo orçamento com apoio da esquerda e não com o apoio da direita. Ferro Rodrigues certamente não esquece a área política de Marcelo, centro-direita, um pouco diferente da área política do seu partido – centro-esquerda, PS que últimos anos se tem assumido, pelo menos parcialmente, à esquerda.
Esta postura pouco feliz de Ferro – como aliás já aconteceu noutras situações – deixa subentender que parte importante da esquerda pode ficar refém do centro-direita, quando já está há muito anunciada a candidatura - e está no terreno – da área da extrema-direita populista antidemocrática com laivos fascizantes e autoritários.
E à esquerda do PS o que se começa a desenhar: o BE vai apresentar de novo Marisa Matias – seguindo a tradicional estratégia do PCP, que terá a mesma postura - parecendo preocupar-se mais em marcar pontos partidários do que com o futuro da esquerda e da própria democracia. Porque, quer queiramos quer não, é também o futuro da democracia que está em jogo.
É necessário haver um(a) candidato(a) que à esquerda congregue o eleitorado que não se revê em Marcelo – e trata-se de uma grande franja do eleitorado – porque se este imenso eleitorado se dividir entre a – perigosa e galopante – abstenção, algum apoio contrariado ao candidato vencedor do “bloco central”, do centro-direita, e os partidos mais à esquerda, sitiados nos seus guetos partidários, fica o campo aberto para uma grande votação no candidato da extrema-direita, quiçá para em 2026 sonhar vir a ser o candidato vencedor. Isto partindo do pressuposto quase certo da recandidatura de Marcelo, porque doutra forma mais grave seria.
E como é que a esquerda não se esfrangalha e se posiciona com pujança? A candidatura da Ana Gomes poderá ser a solução. Ana Gomes, com larga experiência internacional, tanto como diplomata e também como eurodeputada – mais do que Marcelo em 2016 – é uma personalidade frontal, irreverente até, o que pode assustar alguma esquerda mais moderada e conservadora. E se há quem possa considerar Ana Gomes um pouco como a “enfant terrible” da esquerda, o que pode levar essa esquerda a recear apoiar Ana Gomes, há que recordar que a direita – pelo menos a direita democrática nunca teve qualquer pudor em dar o seu voto em massa em Marcelo em 2016 e certamente o fará em 2021. E aqui perguntamos: será que Marcelo não o foi durante muito tempo o “enfant terrible” da direita democrática: recordo as querelas com Pinto Balsemão, quando Marcelo foi director do semanário “Expresso” ou posteriormente quando enquanto candidato à Câmara Municipal de Lisboa mergulhou no Tejo para mostrar que é um político diferente.
Mas enquanto Marcelo se tem afirmado – e com resultados positivos – pela afectividade, algum (muito) show off à mistura e muito mais simpatia que o seu antecessor – o que não era difícil - Ana Gomes, que também é simpática, privilegia a frontalidade na denúncia da corrupção, das injustiças, dos “podres” da nossa democracia, que precisam de ser podados pela raiz para não levar à sua irreversível autodestruição.
Quem tem medo de Ana Gomes como candidata da esquerda coerente, que poderá fazer o pleno da esquerda com Marcelo em 2021, com dignidade e coerência, e com a possibilidade de candidata vencedora em 2026?
*Perto do fecho desta edição a notícia chega às redações: Ana Gomes é candidata!
Eduardo M. Raposo
eduardomraposo0@gmail
6 de ago. de 2020
O encontro entre o Zeca Afonso e a Amália Rodrigues
A Amália nasceu em Julho. O Zeca em Agosto. aqui fica o registo do seu único encontro, em 1984.
O encontro entre o Zeca Afonso e a Amália Rodrigues
Desde o mês passado o país inteiro tem vindo a assistir às comemorações do centenário do nascimento de Amália Rodrigues. No domingo passado, dia 2, passou 91 anos sobre o nascimento de Zeca Afonso. Partilho aqui o único encontro entre os dois nomes maiores da música portuguesa, Zeca Afonso e a Amália, texto que está incluído no meu próximo livro a sair em breve, "Amor e Vinho. Da Poesia Luso-Árabe à Nova Música Portuguesa. Mil anos de Poesia". Refiro-me ao encontro Entre o Zeca Afonso e a Amália Rodrigues, encontro organizado e contado pelo camarada (da escrita) Eugénio Alves, e já referido no meu anterior "Cantores de Abril".
"Pela seu interesse histórico e pela sua beleza emotiva, transcrevemos o encontro ocorrido em 1984 entre José Afonso e Amália Rodrigues, - seguramente os dois nomes maiores da música portuguesa na segunda metade do século XX e que representavam e representam correntes e ideias diversas. É-nos relatado por Eugénio Alves, (RAPOSO,,2000 a: 47) que na altura era dirigente do Clube dos Jornalistas e foi o anfitrião:
« A Amália era considerada uma cantora do regime e o Zeca o homem da oposição: Muita coisa os separava, mas o Clube dos Jornalistas, numa festa de lançamento resolver, por proposta minha, juntar os dois grandes intérpretes da música portuguesa. Eu fiquei encarregado de convencer o Zeca, o que não foi fácil. Só lhe disse no próprio dia e apenas lhe falei que havia uma festa. Ele ripostou que estava sem gravata mas eu retorqui que não era um homem de gravata e lá acabei por levá-lo, embora fosse um pouco zangado comigo. Eu era anfitrião e membro da direcção e expliquei-lhe que não era obrigado a falar com ela. Ele resmungou; já estava um pouco debilitado, com sintomas da doença. A Amália chegou depois e quando soube que o Zeca estava lá, foi ela que tomou a iniciativa de falar com ele. Eu estava com receio da reacção dele. A cena foi assim. A Amália aproximou-se muito comovida pelo facto de ele estar doente e ao mesmo tempo receosa e perguntou-lhe:
- Zeca, acha que eu canto bem?
Ao que ele respondeu:
-Então se a senhora não canta bem, quem é que canta bem em Portugal? Ela chorou comovida. Foi de facto um momento único esse primeiro e único encontro desses dois ‘monstros’ da nossa música. De facto, ele era um homem ‘fechado’, era rígido na defesa dos valores da liberdade, de uma sociedade mais justa, dos seus valores políticos na defesa dos interesses populares, mas em termos humanos era aberto, generoso e a atitude dele em relação à Amália foi paradigmática. A Amália, se calhar, foi mais utilizada pelo regime, por razões conjunturais, como ele no fundo também foi, embora em sentido contrário».
Deixando votos para que o Zeca - que só nos últimos anos deixou de ser persona non grata para o poder instituído no nosso regime democrático - continue a ser cada vez mais divulgado, respeitado, recriado mas também, ouvido, ouvido - que é coisa que hoje praticamente não acontece. Enfim, que os dois grandes da música portuguesa sejam tratados como ambos mereceu e a Amália Rodrigues sempre foi, excepto nuns escassos anos com em que estava na moda ser de esquerda e ler o Avante! Viva a música portuguesa!
Viva a poesia!
2 de jul. de 2020
Buñuel no Nimas viajou até à Margem Sul
Buñuel no Nimas viajou até à Margem Sul
O Cinema Nimas, do grupo Medeia Filmes, tem vindo a dedicar a 2ª fase de um ciclo ao realizador espanhol Luís Buñuel, desde 10 de Junho e que termina no próximo dia 8 de Julho, exibindo cópias digitais restauradas de 10 dos filmes mais paradigmáticas deste grande cineasta surrealista. Ao longo destes 24 dias estes filmes têm ocupado, nalguns casos a totalidade da programação diária no Nimas, que foi um dos primeiros cinemas a reabrir em Lisboa, logo no inicio do mês que terminou ontem, onde ainda a maioria dos cinemas se mantêm encerrados. Esta 2ª fase do ciclo Buñuel, ciclo iniciado no Outono de 2019, estendeu-se ao cinema Campo Alegre, no Porto e as outras cidades. Eu, cinéfilo sempre que posso, venho um belo fim de tarde, depois de assistir à projecção cde "O Anjo Exterminador", a p/b, (México, 1962), profundamente imbuído do espírito buñuelesco atravesso a ponte a dirigo-me às bombas de combustível no Almada Fórum, onde assisto/participo o seguinte diálogo.
Devido ao écran da bomba não estar a funcionar, reporto delicadamente à senhora da caixa, que me questiona:
- O senhor usa óculos graduados?
- - Sim… mas, respondo balbuciando incrédulo...
O senhor usa óculos graduados? repete a senhora. E, muito senhora de si.
- É que com óculos graduados o senhor não consegue ver o écran, remata a senhora, com uma segurança que não permite qualquer dúvida.
Mesmo assim, atrevo-me a a tentar explicar que os óculos graduados é exactamente para ver bem o écran, que uso há décadas e sempre vi o écran, etc.
Peremptória a senhora da caixa, esclarece, de novo.
O senhor usa óculos graduados. É por isso que não vê o écran.
Abalo incrédulo, quase em choque… mas alguns segundos depois percebo tudo.
Buñuel tinha viajado até ao Almada Fórum - não ao cinema mas às bombas de combustível. Se fez o percurso pela Ponte 25 de Abril, de comboio ou de barco, isso não sei... mas que viajou não tenho dúvidas.
Até dia 8, Buñuel no Nimas. Cinema que tem também em exibição o ciclo de cinema japonês o "Roman Porno".
Vá ao cinema… em segurança!
O Trabalho, o Capital… e o Futuro?
Em tempos de pandemia
O Trabalho, o Capital… e o Futuro?
O Trabalho, o Capital… e o Futuro?
Antes de mais importa contextualizar, neste planeta a sofrer agora e de forma mais acentuada do que há um mês, os efeitos trágicos da pandemia.
Um pouco pela Europa, mas também pelo mundo – salvo variações com laivos autoritários como na própria Europa, dos regimes autoritários da Polónia e na Hungria – vemos os governantes a cerrar fileiras, assumindo o Estado a coordenação e a “defesa” dos cidadãos, através dos serviços públicos de saúde, num combate por vezes terrível – como aconteceu em Itália e posteriormente em Espanha, revelando-se lideranças à altura das circunstâncias: a resposta do Estado Social.
Por outro lado, no campo oposto surgem os líderes de dois importantes países: os EUA e o Brasil. Do país “mais poderoso” do mundo, um indivíduo caricato, gabarolas, com total incoerência, qual boneco animado, em permanente show televisivo, enquanto a epidemia já ultrapassou os 58 mil mortos registados com a traumática guerra do Vietnam - e seria bem pior não fosse os governadores dos Estados face à inoperância do governo federal. Extremamente arrogante com os jornalistas, com as sugestões perigosamente imbecis como a de matar o vírus ingerindo lixivia e com um ego tal que chegou a acusar a China de ter inventado o COVIT-19 para ele não ser reeleito presidente.
No meio da crise deixo um abraço à comunidade lusodescendente, nomeadamente de Fall River e aos Portuguese Kids, que diariamente divulgam a identidade cultural portuguesa.
Outra figura sinistra também do continente americano, personifica um tempo que se julgava definitivamente ultrapassado, mas segundo a antropóloga e historiadora brasileira Lilia Schwarcz – autora de “Sobre o Autoritarismo Brasileiro” – “Jair Bolsonaro não é um fenómeno estranho na evolução do país, mas um representante de uma certa forma de pensar, sobretudo, de mandar que se pensou estar a perder força desde o fim da ditadura nos anos 1980, mas que estava apenas à espera do momento certo para regressar em força”. Um poder das famílias tradicionais que remontará ao modelo das capitanias donatárias hereditárias da colonização portuguesa, “um mandonismo” – que “acumulavam numa família os poderes político, económico, religioso e cultural”, expressivo com os “coronéis” no século XIX e que em pleno século XXI regressa em força. E o racismo que a escravatura – só abolida em 1888 – deixou marcas e profundas desigualdades, que a pandemia veio dar mais expressividade, como o gravíssimo ataque às populações indígenas.
Abandonado por políticos que o apoiaram e o seguiram e hoje são seus grandes opositores, de sectores da direita moderada, Bolsonaro hoje tem o apoio limitado à extrema-direita e não se cansa de invocar a possibilidade de uma intervenção militar.
São estes dois presidentes de dois maiores países do continente americano, exemplos da expressão populista e se o “Governo Bolsonaro é um governo de raiz autoritária, retrógada”, Trump não lhe fica atrás na sua postura egocêntrica de estar acima de lei. Temos assim o “cowboy-pistoleiro, do velho Oeste”, que faz a sua própria lei e que quem hoje lhe rende inteira obediência pode amanhã cair em desgraça, enquanto para o amigo do Sul a lei só existe para proteger o clã familiar… da própria lei.
No nosso país, paralelamente a um esforço coordenado pelo Estado, eficaz e com frutos contra a pandemia, vivemos entre a hipocrisia da promiscuidade entre deputados e futebol e o “deputado-comentador-consultor fiscal”, com a sede do poder e com tal necessidade de dar nas vistas que propõe um “plano de confinamento específico” para a comunidade cigana. Os ciganos não devem ser discriminados: têm direitos e deveres como todos. Como tal as forças de segurança têm de fazer cumprir a lei em “Estado de Excepção” como recentemente vivemos e quem transgride não pode ficar incólume, seja quem for. Num Estado de Direito não se pode permitir o racismo, mas a lei tem que ser cumprida por todos.
Face aos 113 milhões de europeus em risco de pobreza e exclusão social e 25 milhões que vivem abaixo do limiar da pobreza, só na Europa, a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, com a implementação de um rendimento mínimo europeu, defendido pelos ministros do Trabalho, Solidariedade e Políticas Sociais de Portugal, Espanha e Itália, respectivamente Ana Mendes Godinho, Pablo Iglesias e Nunzia Catalfo, será um passo importante.
As comemorações do 25 de Abril em casa e circunscritas ao mínimo no Parlamento pelos representantes do povo e as do 1ª de Maio na Alameda foram em países diferentes? Se o cidadão normal, que trabalha, paga impostos – e até paga a quota do sindicato – ficou confinado ao seu concelho, como foi possível sindicalistas viajarem para Lisboa? A democracia, a liberdade tão duramente conquistada, que custou tanto sofrimento, vidas desfeitas, mortes, antes de 1974, não pode pactuar com os novos privilégios, com novas corporações, que estão acima da lei, seja a comemorar o 1º de Maio com mil pessoas ou em casamentos ciganos com 300 pessoas.
E se há sindicatos que nos merecem o respeito dos portugueses – casos da FENPROF, SPGL, só para dar dois exemplos – outros infelizmente servem interesses e agendas estranhos aos trabalhadores que deveriam dignamente representar. Tal só conduz ao descrédito do sindicalismo e da democracia; esta realidade adicionada ao “fechar os olhos” ao não cumprimento da lei por muita da comunidade cigana só abre espaço às propostas neofascistas do populismo de extrema-direita, que espreita, pronta a atacar, em Portugal e no mundo.
25 de abril, sempre!
Viva o 1º de Maio!
Um pouco pela Europa, mas também pelo mundo – salvo variações com laivos autoritários como na própria Europa, dos regimes autoritários da Polónia e na Hungria – vemos os governantes a cerrar fileiras, assumindo o Estado a coordenação e a “defesa” dos cidadãos, através dos serviços públicos de saúde, num combate por vezes terrível – como aconteceu em Itália e posteriormente em Espanha, revelando-se lideranças à altura das circunstâncias: a resposta do Estado Social.
Por outro lado, no campo oposto surgem os líderes de dois importantes países: os EUA e o Brasil. Do país “mais poderoso” do mundo, um indivíduo caricato, gabarolas, com total incoerência, qual boneco animado, em permanente show televisivo, enquanto a epidemia já ultrapassou os 58 mil mortos registados com a traumática guerra do Vietnam - e seria bem pior não fosse os governadores dos Estados face à inoperância do governo federal. Extremamente arrogante com os jornalistas, com as sugestões perigosamente imbecis como a de matar o vírus ingerindo lixivia e com um ego tal que chegou a acusar a China de ter inventado o COVIT-19 para ele não ser reeleito presidente.
No meio da crise deixo um abraço à comunidade lusodescendente, nomeadamente de Fall River e aos Portuguese Kids, que diariamente divulgam a identidade cultural portuguesa.
Outra figura sinistra também do continente americano, personifica um tempo que se julgava definitivamente ultrapassado, mas segundo a antropóloga e historiadora brasileira Lilia Schwarcz – autora de “Sobre o Autoritarismo Brasileiro” – “Jair Bolsonaro não é um fenómeno estranho na evolução do país, mas um representante de uma certa forma de pensar, sobretudo, de mandar que se pensou estar a perder força desde o fim da ditadura nos anos 1980, mas que estava apenas à espera do momento certo para regressar em força”. Um poder das famílias tradicionais que remontará ao modelo das capitanias donatárias hereditárias da colonização portuguesa, “um mandonismo” – que “acumulavam numa família os poderes político, económico, religioso e cultural”, expressivo com os “coronéis” no século XIX e que em pleno século XXI regressa em força. E o racismo que a escravatura – só abolida em 1888 – deixou marcas e profundas desigualdades, que a pandemia veio dar mais expressividade, como o gravíssimo ataque às populações indígenas.
Abandonado por políticos que o apoiaram e o seguiram e hoje são seus grandes opositores, de sectores da direita moderada, Bolsonaro hoje tem o apoio limitado à extrema-direita e não se cansa de invocar a possibilidade de uma intervenção militar.
São estes dois presidentes de dois maiores países do continente americano, exemplos da expressão populista e se o “Governo Bolsonaro é um governo de raiz autoritária, retrógada”, Trump não lhe fica atrás na sua postura egocêntrica de estar acima de lei. Temos assim o “cowboy-pistoleiro, do velho Oeste”, que faz a sua própria lei e que quem hoje lhe rende inteira obediência pode amanhã cair em desgraça, enquanto para o amigo do Sul a lei só existe para proteger o clã familiar… da própria lei.
No nosso país, paralelamente a um esforço coordenado pelo Estado, eficaz e com frutos contra a pandemia, vivemos entre a hipocrisia da promiscuidade entre deputados e futebol e o “deputado-comentador-consultor fiscal”, com a sede do poder e com tal necessidade de dar nas vistas que propõe um “plano de confinamento específico” para a comunidade cigana. Os ciganos não devem ser discriminados: têm direitos e deveres como todos. Como tal as forças de segurança têm de fazer cumprir a lei em “Estado de Excepção” como recentemente vivemos e quem transgride não pode ficar incólume, seja quem for. Num Estado de Direito não se pode permitir o racismo, mas a lei tem que ser cumprida por todos.
Face aos 113 milhões de europeus em risco de pobreza e exclusão social e 25 milhões que vivem abaixo do limiar da pobreza, só na Europa, a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, com a implementação de um rendimento mínimo europeu, defendido pelos ministros do Trabalho, Solidariedade e Políticas Sociais de Portugal, Espanha e Itália, respectivamente Ana Mendes Godinho, Pablo Iglesias e Nunzia Catalfo, será um passo importante.
As comemorações do 25 de Abril em casa e circunscritas ao mínimo no Parlamento pelos representantes do povo e as do 1ª de Maio na Alameda foram em países diferentes? Se o cidadão normal, que trabalha, paga impostos – e até paga a quota do sindicato – ficou confinado ao seu concelho, como foi possível sindicalistas viajarem para Lisboa? A democracia, a liberdade tão duramente conquistada, que custou tanto sofrimento, vidas desfeitas, mortes, antes de 1974, não pode pactuar com os novos privilégios, com novas corporações, que estão acima da lei, seja a comemorar o 1º de Maio com mil pessoas ou em casamentos ciganos com 300 pessoas.
E se há sindicatos que nos merecem o respeito dos portugueses – casos da FENPROF, SPGL, só para dar dois exemplos – outros infelizmente servem interesses e agendas estranhos aos trabalhadores que deveriam dignamente representar. Tal só conduz ao descrédito do sindicalismo e da democracia; esta realidade adicionada ao “fechar os olhos” ao não cumprimento da lei por muita da comunidade cigana só abre espaço às propostas neofascistas do populismo de extrema-direita, que espreita, pronta a atacar, em Portugal e no mundo.
25 de abril, sempre!
Viva o 1º de Maio!
(Artigo publicado na "Folha de Montemor", edição de 15 de Maio)
16 de abr. de 2020
Morreu Luís Sepúlveda, "o mais 'português' dos escritores latino-americanos'
Morreu Luís Sepúlveda!
A notícia chega como uma bomba… como é possível?...
Luís Sepúlveda "o mais 'português' dos escritores latino-americanos', como é referido num dos muitos títulos que as Edições ASA editou deste que é um dos meus escritores preferidos.
Não tive o privilégio de me ter cruzado com Luís Sepúlveda mas sempre senti uma grande afinidade com este cidadão do mundo, defensor da Vida, da dignidade humana na luta pela justiça, dos valores ecológicos, como defende no belos fresco que é "O Velho que Lia Romances de Amor", que em 1989 o tornou conhecido internacionalmente, 20 anos depois de conquistar o Prémio Literário da Casa das Américas.
Este homem que correu meio mundo depois de ter feito parte da guarda pessoal de Salvador Allende e ter escapado à pena de morte ao ser julgado por um tribunal militar em 1975 pelo ditador Pinochet. Esse escritor multifacetado, que dominava com igual mestria o romance clássico, a literatura de viagens, o conto infantil, contador de histórias como poucos, esse Homem livre, profundamente comprometido com a Vida, perceptível da forma como conclui "Patagónia Express", um livro belo, comovente e muito autobiográfico, que nos fala, entre outros: de momentos da infância com o avô Gerardo, o "seu herói", um velho libertário andaluz, que não simpatizava com padres e com militares, que conhecera a prisão, a perseguição e o exílio em terras chilenas - pois "uma pessoa é de onde melhor se sente" - por causa das suas ideias, da prisão e da libertação no Chile ensanguentado
e termina com a viagem a Martos, na Andaluzia, de onde o avô partira muitas décadas antes - quase um século - e vai encontrar o irmão mais novo deste, um ancião conhecido por don Angel, a quem se faz anunciar depois de este o confundir com o filho da leiteira, Paquito, com Miguelito (?) e com o próprio irmão Gerardo.
"Então, depois de pigarrear, don Angel disse o mais belo poema com que a vida me premiou, e eu soube que finalmente se fechara o círculo, pois estava no ponto de partida da viagem começada pelo meu avô. Dom Angel disse:
- Mulher, traz vinho, que chegou um parente da América."
Belo e pungente.
Um dia propício para abrir uma garrafa e beber um copo de vinho em homenagem a Luís Sepúlveda, um amante da Vida e da Beleza, que não se limitou a passar pela Vida, antes a marcou de uma forma perene, a Vida, a literatura, o mundo...
Deixamos notas biográficas: (fonte:https://www.infopedia.pt/$luis-sepulveda)
Escritor chileno, Luis Sepúlveda nasceu a 4 de outubro de 1949, em Ovalle, uma pequena aldeia no Norte do país, e morreu a 16 de abril de 2020 nas Astúrias, Espanha, vítima de COVID-19.
Os seus pais eram menores e haviam fugido juntos mas, perseguidos pelas autoridades, chegaram por fim a uma hospedaria onde a sua mãe deu à luz o fruto dessa aventura de amo
Luis Sepúlveda começou a escrever quando frequentava o Liceu de Santiago do Chile. Ingressou nas fileiras da Juventude Comunista chilena em 1964, o que não o impediu de continuar a escrever, desta feita poesia e contos de natureza mais séria. Em 1969 publicou Crónicas de Pedro Nadie, compilação de contos que lhe valeu o Prémio Literário da Casa das Américas.
Em 1970 conseguiu um diploma em Encenação Teatral, atividade que começou a exercer, dedicando também parte do seu tempo à política, à direção de uma cooperativa agrícola e à locução de programas de rádio.
Em 1973 deu entrada na estrutura militante do Partido Socialista, chegando a fazer parte da segurança pessoal de Salvador Allende.
Era ainda um estudante quando, nesse mesmo ano, o General Augusto Pinochet chegou ao poder. Aprisionado, foi julgado por um tribunal militar em fevereiro de 1975, e acusado de traição à pátria e conspiração subversiva, entre outros crimes. Escapando à pena de morte, habitual em casos semelhantes, foi condenado a vinte e oito anos de cadeia.
Encarcerado em Temulo, estabelecimento prisional político, conviveu com alguns dos mais de trezentos professores universitários que Pinochet tornou cativos. Em 1977, graças à persistência da Amnistia Internacional, viu a sua pena ser comutada para oito anos de exílio na Suécia.
Em 1989 publicou o seu primeiro romance, Un Viejo Que Leía Novelas De Amor (O Velho Que Lia Romances de Amor), que rapidamente se revelou um sucesso internacional, tendo sido traduzido para cerca de trinta e cinco línguas. Luis Sepúlveda dedicou a obra a um amigo assassinado pelo regime do ditador chilenoAutorizado finalmente a regressar ao Chile, ao fim de dezasseis anos de exílio, o autor continuou a escrever, publicando obras como Mundo Del Fin Del Mundo (1989, Mundo do Fim do Mundo), Patagonia Express (1995, Patagónia Express), Diario di un Killer Sentimentale (1996, Diário de um Killer Sentimental), Historia de una Gaviota y del Gato que le Enseñó a Volar (1996, História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar), Desencuentros (1997, Encontro de Amor num País em Guerra), Historias Marginales (2000, As Rosas de Atacama), Hot Line (2002), Moleskine: Apuntes e Reflexiones (2004, Uma História Suja) e Los Peores Cuentos de los Hermanos Grim (2005, Os Piores Contos dos Irmãos Grim), tendo este último sido escrito em parceria com Mario Delgado Aparaín.
Nas obras que se seguiram, O Poder dos Sonhos, em 2006, e Crónicas do Sul, em 2008, o escritor usa o seu país como tema da narrativa.
Ainda em 2008 o autor regressa à ficção com A Lâmpada de Aladino, 13 contos cujos temas vão desde a Alexandria de Kavafis, o Carnaval em Ipanema, até uma cidade de Hamburgo fria e chuvosa, a Patagónia, o Santiago do Chile nos anos 60, a recôndita fronteira do Peru, a Colômbia e o Brasil.
Da sua vasta obra (toda ela traduzida em Portugal), destacam-se os romances O Velho que Lia Romances de Amor e História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar. Mas Mundo do Fim do Mundo, Patagónia Express, Encontros de Amor num País em Guerra, Diário de um Killer Sentimental ou A Sombra do que Fomos (Prémio Primavera de Romance em 2009), por exemplo, conquistaram também, em todo o mundo, a admiração de milhões de leitores.
Em 2016 foi distinguido pelo Centro de Estudos Ibéricos com o Prémio Eduardo Lourenço
Os seus pais eram menores e haviam fugido juntos mas, perseguidos pelas autoridades, chegaram por fim a uma hospedaria onde a sua mãe deu à luz o fruto dessa aventura de amo
Luis Sepúlveda começou a escrever quando frequentava o Liceu de Santiago do Chile. Ingressou nas fileiras da Juventude Comunista chilena em 1964, o que não o impediu de continuar a escrever, desta feita poesia e contos de natureza mais séria. Em 1969 publicou Crónicas de Pedro Nadie, compilação de contos que lhe valeu o Prémio Literário da Casa das Américas.
Em 1970 conseguiu um diploma em Encenação Teatral, atividade que começou a exercer, dedicando também parte do seu tempo à política, à direção de uma cooperativa agrícola e à locução de programas de rádio.
Em 1973 deu entrada na estrutura militante do Partido Socialista, chegando a fazer parte da segurança pessoal de Salvador Allende.
Era ainda um estudante quando, nesse mesmo ano, o General Augusto Pinochet chegou ao poder. Aprisionado, foi julgado por um tribunal militar em fevereiro de 1975, e acusado de traição à pátria e conspiração subversiva, entre outros crimes. Escapando à pena de morte, habitual em casos semelhantes, foi condenado a vinte e oito anos de cadeia.
Encarcerado em Temulo, estabelecimento prisional político, conviveu com alguns dos mais de trezentos professores universitários que Pinochet tornou cativos. Em 1977, graças à persistência da Amnistia Internacional, viu a sua pena ser comutada para oito anos de exílio na Suécia.
Em 1989 publicou o seu primeiro romance, Un Viejo Que Leía Novelas De Amor (O Velho Que Lia Romances de Amor), que rapidamente se revelou um sucesso internacional, tendo sido traduzido para cerca de trinta e cinco línguas. Luis Sepúlveda dedicou a obra a um amigo assassinado pelo regime do ditador chilenoAutorizado finalmente a regressar ao Chile, ao fim de dezasseis anos de exílio, o autor continuou a escrever, publicando obras como Mundo Del Fin Del Mundo (1989, Mundo do Fim do Mundo), Patagonia Express (1995, Patagónia Express), Diario di un Killer Sentimentale (1996, Diário de um Killer Sentimental), Historia de una Gaviota y del Gato que le Enseñó a Volar (1996, História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar), Desencuentros (1997, Encontro de Amor num País em Guerra), Historias Marginales (2000, As Rosas de Atacama), Hot Line (2002), Moleskine: Apuntes e Reflexiones (2004, Uma História Suja) e Los Peores Cuentos de los Hermanos Grim (2005, Os Piores Contos dos Irmãos Grim), tendo este último sido escrito em parceria com Mario Delgado Aparaín.
Nas obras que se seguiram, O Poder dos Sonhos, em 2006, e Crónicas do Sul, em 2008, o escritor usa o seu país como tema da narrativa.
Ainda em 2008 o autor regressa à ficção com A Lâmpada de Aladino, 13 contos cujos temas vão desde a Alexandria de Kavafis, o Carnaval em Ipanema, até uma cidade de Hamburgo fria e chuvosa, a Patagónia, o Santiago do Chile nos anos 60, a recôndita fronteira do Peru, a Colômbia e o Brasil.
Da sua vasta obra (toda ela traduzida em Portugal), destacam-se os romances O Velho que Lia Romances de Amor e História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar. Mas Mundo do Fim do Mundo, Patagónia Express, Encontros de Amor num País em Guerra, Diário de um Killer Sentimental ou A Sombra do que Fomos (Prémio Primavera de Romance em 2009), por exemplo, conquistaram também, em todo o mundo, a admiração de milhões de leitores.
Em 2016 foi distinguido pelo Centro de Estudos Ibéricos com o Prémio Eduardo Lourenço
15 de abr. de 2020
A
Peste Negra do Século XXI
Acaba de ser publicado um
livro pela medievalista britânica, Miri Burin, da Universidade Queen Mary de
Londres, sobre a temática e repercussões da peste negra. Editado pela Cambridge University Press, Cities
of Strangers: Making Lives in Medieval Europe, transporta-nos a uma Europa
de meados do século XIV – há quase 700 anos – que entre 1347 e 1351 vê um terço
da sua população dizimada.
Como nos diz a autora:
“Os nossos antepassados do século XIV não sabiam muito sobre a doença que
subitamente ameaçava devastar a Europa, mas sabiam uma coisa: os barcos de
comércio mundial que tentavam atracar nas cidades portuárias europeias eram uma
ameaça. A partir deles, dos ratos, das pulgas e dos humanos infectados, espalhava-se
esse horror que ficou conhecido por peste negra”, referindo-nos depois como
então os nossos antepassados vão utilizar aquilo que hoje chamamos
distanciamento social, para num primeiro momento, impotentes por travar o
flagelo, perceberam a urgência de travarem a entrada de viajantes vindos de
fora e, depois, separarem os doentes dos que ainda não tinha sido infectados –
separação já anteriormente utilizada com os leprosos. A palavra quarentena, do
italiano “quarentino”, aos recém-chegados que tinham de se manter à distância,
aplicada a todos os viajantes, e o isolamento aos que já estavam doentes.
Prática, aliás, como nos refere esta historiadora e professora de História
Medieval da referida universidade, inicialmente norma tornada obrigatória na
cidade de Ragusa, no Adriático – actual Dubrovnik, na Croácia – a quem chegava
de áreas infestadas pela peste, sendo inicialmente de um mês, “trentino” e que
só mais tarde as autoridades de Veneza alargaram o período para os quarenta
dias, instituindo a quarentena.
Esta autora fala-nos
(suplemento ípsilon desta semana, edição do “Público de 10 de Abril) ainda,
para além das diferenças, das semelhanças, quer seja a nível da prática de
quarentena e isolamento, quer das transformações surgidas após esta devastação
na organização da vida urbana de então, pois considera que “há muitos pontos em
comum com os dias de hoje e, sobretudo, há lições importantes a aprender com a
experiência da peste medieval”, remata M. Burin, concluindo que desastre trazido pelo
novo coronavírus pode ser “uma oportunidade para encontrarmos a coesão que
potencialmente existe dentro de todos nós, concentrando-nos nas coias que são
realmente importantes”.
O
ESTADO SOCIAL E A UNIÃO EUROPEIA
Como anteriormente aqui
escrevemos e publicamente defendemos, de que era necessário e urgente mudar o
paradigma; a soberba de “desenvolvimento” a todo o custo, responsável pela cada
vez pior qualidade de vida, em breve irreversível, com a poluição a aumentar
assustadoramente e a caminharmos a passos largas para a catástrofe. Agora, no
meio de uma catástrofe não esperada temos que reflectir para onde vamos, o que
queremos da(s) nossa(s) vida(s) e como isso será possível.
Ainda que não aderindo à
teoria da conspiração do surgimento do Covit – 19, por razões mundialmente
económicas, verificamos que,
nomeadamente na Europa, nos países mais afectados até agora – sobretudo
a Itália, Espanha, mas também a França e a Inglaterra presentemente – o papel
do Estado tem sido decisivo para tomar medidas, ainda que por vezes tardias, para
que o desastre não tome proporções ainda maiores. Países estes incluindo
Portugal, à excepção do Reino Unido – e aqui deixamos os votos de rápido
restabelecimento do primeiro-ministro Boris Johnson – com governos de centro
esquerda, de esquerda ou do centro. Assim, em governos aparentemente frágeis e
com possível vida curta, emergiram verdadeiros líderes, como é o caso do
espanhol Pedro Sánchez, que tem sabido estar à altura das circunstâncias, mesmo
com uma direita trauliteira, tentando tirar partido vergonhosamente da situação
dramática vivida no país vizinho.
No nosso país,
governantes, partidos parlamentares
cidadãos têm sabido convergir para o objetivo comum, ainda que com as
fragilidades e respostas lentas no SNS, os grupos profissionais de primeira
linha – técnicos de saúde, cientistas, bombeiros, autoridades policiais,
autarcas, etc. – estão de parabéns, aliás um pouco como por esse mundo fora, e
merecem o nosso profundo respeito e consideração; assim como pequenos e médios
empresários e cidadãos anónimos, altruístas, que diariamente contribuem nesta
luta diária contra a pandemia, ainda que paradoxalmente surjam atitudes oportunistas,
como a dos grande grupos privados da saúde a quererem cobrar indevidamente tratamentos
ao SNS.
Também António Costa tem
também interna e externamente sabido liderar, mostrando frontalidade na defesa
dos países europeus mais atingidos, face ao calculismo avaro e intolerante da
Europa do Norte – de que o ministro das finanças holandês foi porta-voz - que
retirou dividendos financeiros durante a última crise que tanto atingiu o Sul. Diferendo
que parece estar parcialmente ultrapassado com o recente acordo. Mas… não é
suficiente. Afinal o futuro da União Europeia passa por uma Europa dos cidadãos.
No próximo mês, esperamos, voltamos a este assunto.
(artigo publicado hoje na edição de abril da Folha de Montemor)
(artigo publicado hoje na edição de abril da Folha de Montemor)
26 de set. de 2019
25 de set. de 2019
Da Galiza a Sines Um alentejano de regadio na costa atlântica ibérica
Escassos dias antes da partida do Mestre chegávamos a Sines, depois de um percurso desde A Coruña, no Norte da Galiza.
Aqui deixamos o relato dessa viagem.
Assim iniciamos o registo das últimas crónica mensais publicadas na Folha de Montemor.
Aqui deixamos o relato dessa viagem.
Assim iniciamos o registo das últimas crónica mensais publicadas na Folha de Montemor.
Da
Galiza a Sines
Um
alentejano de regadio na costa atlântica ibérica
À chegada a A Coruña deparámo-nos com uma
cidade quase cosmopolita com um bom e diversificado comércio e um porto de mar
muito intenso, no extremo noroeste da Galiza. Diversamente de Santiago de
Compostela, pejado de turistas e o lixo consequente, a catedral em obras, muito
menos acolhedora que Pontevedra, com uma zona histórica concorrida mas muito
bem conservada – onde nos acolhemos num simpático hostal, “Casa do Marujo”,
situado numa bonita praça no casco histórico.
As Rías Gallegas
Como o objetivo era sobretudo conhecer a
costa e as suas gentes numa perspectiva identitária – e já tínhamos abandonado
a ideia de visitar Ferrol, mais industrial - metemo-nos à estrada em direcção à
Costa da Morte, indo aportar a Malpica de Bergantiños, uma vila piscatória,
sede de concelho, onde fomos degustar num restaurante típico pulpo com
chipirones, tinto Ribero e uma excelente vista para o porto. O espaço de
degustação - e convívio - era frequentado pelos locais, nomeadamente
pescadores, onde orgulhosamente exponham num painel as espécies piscatórias e
técnicas e apetrechos usados para a sua faina.
Depois de percorrermos a estrada que
bordeja a Ria de Corme y Laxe, deparamo-nos com uma extensa baía de areia suave
e convidativa a um banho de mar, paredes meias com a povoação de Laxe, porto de
mar com alguns restaurantes na marginal mais frequentados certamente turistas
nacionais, pois era sábado. Abastecidos de água e de café de “saco”, fizémo-nos
de novo à estrada. Ainda que estivéssemos perto da costa passamos por zonas de
floresta frondosa antes de bordejarmos o Rio Grande, que desagua na Ria de Camariñas,
outra povoação piscatória.
Após breve paragem e registos fotográficos
– o sol estava coberto de nuvens e estava vento forte – atravessamos o rio na
povoação Ponte do Porto, iniciando a última parte percurso a caminho do Cabo
Fisterra – como se pronuncia em galego. Próximo, na última dezena de
quilómetros uma via rápida, de construção recente, ajuda a percorrer
rapidamente a distância até à povoação homónima, próximo do famoso cabo, a que
se acede por uma estrada em mau estado. O mítico cabo, onde ao longo dos tempos
reis, nobres, eclesiásticos e outras pessoas deixaram o registo da sua
passagem, muito frequentado por peregrinos – os que não viramos em Santiago – simbólico
por ser o fim do caminho para os peregrinos e ainda que arrebatador, fica muito
aquém da grandiosidade dos nossos Cabo Espichel ou Ponta de Sagres.
A Illa de Arousa
Com o dia a aproximar-se do fim
restava-nos regressar ao hotel, em Santiago de Compostela, para depois de um
banho retemperador, jantarmos num arraial que celebrava o S. João – pouco
exuberante e muito católico, se comparado com as exuberantes festividades pagãs
que no dia seguinte, no Porto ou noutras terras lusas celebrariam o S. João,
assim como Lisboa celebra o S. António ou noutros locais o S. Pedro – que os
pescadores galegos não celebram, como soubemos em Malpica, quando abordados
pela Anita.
No táxi, a caminho do casco histórico de
Santiago percorremos com a memória o primeiro dia em terras galegas, tendo
partido cedo de Valença e após cruzar a fronteira, e deixarmos para trás Tuy e depois Vigo,
atravessamos a esplêndida ria homónima pelo elegante viaduto perto de Domaio e,
após passarmos junto a Pontevedra, nesta
região do litoral sul da Galiza densamente habitada, virámos em direcção à Illa
de Arousa, na magnifica ria de com o mesmo nome. Trata-se certamente da maior
ria da Galiza, mais extensa do que qualquer outra das chamadas Rías Baixas,
caso da de Vigo, de Pontevedra, ou a Ría de Muros y Noia, imediatamente a Norte,
ou no Norte, as chamadas Rías Altas – casos da grande Ría de Betanzos, entre A
Coruña e Ferrol, ou a Ría de Stª Maria de Ortigueira, no extremo Norte – ou as
inicialmente referidas, muito belas mas bem mais pequenas, conhecidas pelas
Rías Gallegas.
Esta bela ilha tem a particularidade de se
situar a escassas centenas de metros da costa e esta ligada a esta por uma
ponte contruída nos anos 80. Situada quase em frente à povoação costeira de
Vilanova de Arousa, ainda que parcialmente habitada, não perdeu a sua beleza
natural. Tem diversos cais, muitos pescadores e é densamente habituada na zona
mais estreita, formando duas penínsulas. Tem um miradouro, um farol e pequenas
praias rodeadas de pinheiros, convidativas para passar ou uma ou duas semanas
de férias. Depois de cruzarmos a ponte, junto a um cais avistámos o restaurante
”O Pescador”, onde nos deliciámos com os choquinhos com tinta em molho
acompanhado pelo melhor vinho bebido na Galiza: um magnífico branco Albariño
caseiro, sem rótulo. Foi um manjar de deuses. O primeiro dia iniciava-se da
melhor forma possível, com a visita à ilha que tinha falhado noutro estadia em
terras galegas, 22 anos antes.
No segundo dia visitamos Cambados e O
Grove, concelhos costeiros separados por um grande braço da ria, tendo
degustado, na primeira povoação, menos turística, um excelente almoço por 10 €
por comensal, onde não faltava o pulpo no respectivo recipiente de madeira.
De
regresso ao Sul cruzamos o Rio Minho mas não visitámos Caminha nem a Citania de
Santa Tegra, na sua foz, antes nos dirigimos a Ponte de Lima: tal como na ida degustamos
nesta bela vila minhota. A sala era exclusivamente composta por comensais da
região, escolha certa para saborear os rojões, o arroz de serrabulho e um
excelente vinho verde tinto caseiro em malga.
O regresso ao Sul e o FMM
Em
dia de festejar o S. João não parámos em Leça de Palmeira, na Granja, em Espinho,
ou na extensa costa banhada pela Ria de Aveiro – Ovar, Torreira, S. Jacinto,
Costa Nova, Vagueira, Praia da Mira, ou mais perto da Figueira, em Tocha, Buarcos.
Muito menos S. Pedro de Moel – que recordamos de finais de 70 – Nazaré, Peniche,
Berlenga, Areia Branca, Ericeira, Praia das Maçãs – onde passámos férias há 50
anos. Mas como as férias ainda não tinham chegado, atravessamos o Tejo e
rumamos a Almada onde entre 4 e 18 de Julho acontece a 36ª edição do
Festival Internacional de Teatro – que
demos conta na edição anterior. E, depois de um banho rápido na Costa de
Caparica, seguimos para Sul, para a cidade de Vasco da Gama, que recebe entre
18 e 27 de Julho a 21ª edição do FMM, o mais importante e premiado festival de
músicas do mundo realizado em solo luso. No derradeiro dia, inicia o programa,
no já lugar de referência que é o palco do castelo, com a famosa banda bejense
“Virgem Suta”.
Depois
deste percurso, desde o extremo noroeste ibérico, nas tardes tépidas e nas
noites marítimas de Sines, vamo-nos deixar envolver pelos sons de outras
latitudes, as músicas do mundo.
José António Salgueiro partiu O adeus do Mestre
Ainda não passará 12 horas sobre o término do FMM e recebíamos a triste notícia...
José
António Salgueiro partiu
O
adeus do Mestre
Há homens quem lutam um dia, e são
bons;
Há outros que lutam um ano, e são
melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e
são muito bons;
Porém, há os que lutam toda a vida
Estes são imprescindíveis
Bertold
Brecht
Ainda não passará 12 horas sobre o término do FMM e recebíamos a triste notícia...
José António Salgueiro, o Mestre das plantas, como era
conhecido, partiu fisicamente seis meses depois de ter completado 100 anos.
Deixou-nos dia 28 de Julho. Ficou mais pobre Montemor-o-Novo, ficou mais pobre
o Alentejo, ficou mais pobre Portugal. Salgueiro deixou um vazio difícil de
preencher nos muitos milhares de amantes da Natureza, nomeadamente os praticantes
de medicina natural e especialmente muitos(as) a quem José Salgueiro aliviou ou
curou das mais variadas maleitas. Deixou um vazio nos(as) homens e mulheres a
quem deu o privilégio da sua amizade.
Esse vazio é difícil de preencher para quem acompanhou
Mestre Salgueiro praticamente nas últimas duas décadas, fosse divulgando a sua
obra, fosse aqui nas páginas da Folha de
Montemor, na Revista Memória
Alentejana ou na Revista Tempo Livre,
do INATEL, só para citar três casos, ou ao termos viabilizado a sua
participação em inúmeros Passeios Campestres, mas também dizendo presente
sempre que o Mestre solicitou os meus singelos préstimos para escrever
prefácios para os seus livros. Por outro lado levando-o a participação em duas
sessões, em Almada na Festa do Solar (2015) e no 3º Aniversário do Cante
Património da Humanidade, “Almada homenageia o Cante” (2017) e as homenagens,
que por proposta nossa o Centro de Estudos Documentais do Alentejo-Memória
Colectiva e Cidadania (CEDA) - de que o Mestre era sócio honorário - e a
Revista Memória Alentejana
realizaram, tanto no passado dia 3 de Fevereiro a festa do seu centenário – aqui
referida nestas páginas - à semelhança do acontecido há dez anos, na Casa do
Alentejo – onde para celebrar tão importante e significativa data estiveram
presentes muitos admiradores e familiares do Mestre Salgueiro.
É de toda a justiça referir aqui dois nomes: o nosso
editor comum, o grande Alentejano – defensor acérrimo do nosso património
identitário, literário e não só – que é o Fernando Mão de Ferro - e a Manuela
Rosa, professora, poetisa e divulgadora de poesia e da literatura – Amiga que
connosco e outros amigos levamos a cabo o projecto “Nova Antologia de Poetas
Alentejanos” (2013), obra de referência com duas edições; a Manela Rosa teve um
papel ímpar, nomeadamente na preparação e redação, a partir de muitas centenas
de horas gravadas e de inúmeros dias de trabalho que possibilitou a edição do
último livro, biográfico, de José Salgueiro
A Minha Vida Dava um Romance.
Outros(as) há, e poderia referir nomes, inclusive os amigos desta Cooperativa
que edita a Folha e protagoniza o
jornalismo livre e regional, autarcas, cidadãos anónimos, mas quero aqui
registar este homem e esta mulher, alentejanos de corpo inteiro, que tal aconteceu
com o Mestre Salgueiro, me dão o privilégio da sua amizade. Sabemos que sempre
fizeram tudo o que estava ao seu alcance, tal como nós, com abnegação, para
divulgar e valorizar o Homem e a sua Obra. Nunca se escusaram, alegando falta
de tempo ou outro para não fazerem o que tinha de ser feito em vida de José
Salgueiro.
A obra de José Salgueiro reside não apenas nos seus
livros com o maior interesse quer literária quer a lucidez demonstrada e a
capacidade analítica de Homem culto - nomeadamente o livro mais vendido na
Colibri, Ervas, Usos e Saberes, em
cinco edições - mas sobretudo a sua postura ética e cívica pondo diariamente a
sua enorme sabedoria ao serviço dos outros, da comunidade. O seu desassombro
perante a vida e quem conheceu bem o Mestre sabe do que falamos: partilho aqui
uma sessão de autógrafos em que participamos os dois, na Feira do Livro de
Lisboa, como o Mestre abordava os potenciais leitores, dizendo que quem
comprasse [e praticasse os ensinamentos] o seu livro vivia até aos 100 anos… e
depois como abordou autores “consagrados” de editora em frente, com o mesmo
argumento…
José Salgueiro preparava-se para editor um tratado de
medicina natural. Visitei-o dia 10 de Maio, depois de um telefonema seu com
carácter urgente: queria que fosse eu a escrever o prefácio. Perante o meu
receio de não ser a pessoa indicada para aquela temática, Mestre Salgueiro
retorquiu: “Mas sabes falar de mim. Conheces-me.”
Quando no passado dia 28, vi no écran do telefone do
carro o nome da Isabel Meira, soube de imediato, o que segundos depois o filho,
Miguel, o neto mais velho de Salgueiro, confirmava: o Mestre havia partido.
Até sempre, Mestre Salgueiro!
Com a devida vénia reproduzimos esta sentida homenagem do Amigo Fernando (Mão de Ferro) à memória do nosso Querido Mestre Salgueiro!
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