20 de jun. de 2014

As palavras e os afectos




 As palavras e os afectos
 Cantores de Abril, apresentado no passado dia 9 Junho, no átrio da Academia Almadense

Perante uma assistência de mais de 100 pessoas, numa organização da Associação Amigos da Cidade de Almada, em parceria com a SCALA e o apoio de outras entidades associativas - CEDA, o Farol, Academia Almadense - com muitos associados presentes, ou de outras associações - como a IMARGEM - e dos AE Anselmo de Andrade e Emídio Navarro e ainda amigos dirigentes de outras entidades associativas - a Casa do Alentejo, a Alma Alentejana, a SFUAP - e o Município de Almada




























partilhou-se a fraternidade numa "noite maravilhosa... foi lindo, lindo! " - como o sr. Rodrigues, Director da Academia Almadense, no final, repetia maravilhado.


Foi uma noite passado ao som da voz de tenor do Chico Naia, acompanhdo pelo Zé Carita, fazendo malabarismo, saltitando de um excerto da "Trova" para outro dos "Vampiros"...






















ou o Coro de Incrível, que, por surpresa do maestro, o Amigo Carita, carinhosamente me dedicaram um tema, ou o "Grupo Coral Amigos do Alentejo" liderados pelo Amigo Afonso, que encerraram com o inconfundível nosso Cante... 













o  Hélder (Costa) que mal chegou lhe pedi, o que fez com satisfação, explicando o contexto sociopolítico em que fez o convite de que resultou na  celebração actuação do Zeca em Grândola



a 18 de Maio de ... 1964 e que foi a génese da "Grândola, Vila Morena". Foi uma noite onde a poesia marcou presença pela voz da Sofia, a minha Sofia, e da Rute, pelo ALPHA Teatro


 





















pela Isabel, que disse dois poemas do Fonte Santa, o seu pai, grande poeta e a Anita, a minha Anita, que leu  o texto sobre o espectáculo de 29 de Março de 1974, no Coliseu dos Recreios...

Aqui vos deixo excertos de intervenções de outros amigos, convidados para esta sessão, que usaram da palavra:

"Sérgio Godinho escreveu numa das suas canções «O passado é um país distante / que distante é a sombra da voz / o passado é a verdade contada / por outro de nós». Também este livro é uma incursão no passado, criando - não lhes chamaria entrevistas mas polaroids - de algumas figuras essenciais para compreender melhor esta época a que se refere o livro, algum tempo antes e depois do 25 de Abril."

(…)

“No seu “Fado da Tristeza”, José Mário Branco escreveu: Não cantes alegrias de encomenda / Que a vida não se remenda / Com morte que não morreu / Canta da cabeça aos pés / Canta com aquilo que és / Só podes dar o que é teu”. E eu acho que foi aquilo que tu fizeste com este livro, Eduardo…”

João Morales
Jornalista, programador literário

O livro “Cantores de Abril” de Eduardo M. Raposo, presta homenagem
aos Poetas e Cantores que fizeram os Cravos florir em Abril, mas também a todos os homens e mulheres que participaram voluntariosamente neste
movimento que tanto contribuiu para a Revolução de 1974 – dirigentes estudantis, jornalistas, críticos, editores de rádio e de televisão. A sua
ousadia foi paga muitas vezes com a prisão e com a tortura, mas nada os demoveu e mantiveram a chama acesa até às “portas
que Abril abriu”.
Este movimento cultural deu um novo rumo à nossa história recente e em tempos de crise de valores éticos e de injustiças sociais que nos fazem lembrar tempos de antigamente, apetece voltar às canções do Zeca Afonso e do Adriano Correia de Oliveira
 (Da badana)
Fernando Mão de Ferro
Edições Colibri



O Eduardo é um homem perseverante. Conheço o Eduardo há quase 30 anos e tenho acompanhado o seu caminho, por vezes com muitas dificuldades, mas ele tem sabido encontrar o caminho certo. Vou de novo usar a imagem que usei há dias no Feijó [no 27º Encontro de Grupos Corais]. Eu nasci num moinho, e para sair de lá o caminho tinha pedras que estavam sempre com água. Mais era o único caminho, não havia outra forma.
Parabéns, Eduardo, por mais esta vitória.

José Gonçalves
Vice-Presidente do Município de Almada
Créditos fotográficos, com a devida vénia, de Gena D´Sousa


16 de jun. de 2014

Zeca Afonso na “Capela Sistina”

Ontem, sábado, foi o dia mais quente do ano ... até ver...
bom, digamos que regressei com o calor, depois de longos seis meses de ausência...
 e venho postar a crónica que deve estar a sair na edição, deste mês de Junho, na "Folha de Montemor", que quero partilhar com todos Vós ...



Zeca Afonso na “Capela Sistina”
ou de como a beleza da Poesia cantada comunga fraternidades
Momento sublime, espectáculo magistral, assim se referia a público aqueles 90 minutos em que numa das mais belas salas do país, público, cantores, músicos e apresentador, unidos pela comunhão do belo na obra poética e musical de José Afonso, no Teatro Garcia de Resende, Évora, no passado dia 31 de Maio, reafirmaram valores de justiça, de fraternidade, de liberdade, de utopia inscritos na obra do génio maior da Canção Popular Portuguesa. Que forma mais nobre de comemorar os 40 anos do 25 de Abril? Que forma mais nobre de reafirmar a absoluta vontade de mais de cem almas unidas no desejo de Portugal retomar os caminhos de Abril?!
África
Depois das palavras iniciais de apresentação, do espectáculo e dos intervenientes, entra a potente voz de tenor de Francisco Naia que, tal como o vinho do Porto, atinge agora o seu apogeu, hoje já septuagenário; e traz-nos “Epígrafe para a arte de furtar”, poema de Jorge de Sena, que de forma tão bela o Zeca musicou quanto o Naia o interpreta. E depois é o Zeca bebé, em Aveiro com as tias, a viagem para Angola no navio “Mouzinho” onde conhece o “homem das barbas”, que o marca tanto como “África [que] era uma coisa imensa, uma natureza inacessível que não tinha fim”. Mas aos oito anos, “agora é Moçambique” - aonde só voltará 37 anos depois - ainda que por pouco tempo, mas “(..) é de novo o paraíso”.

Coimbra
Em 1940 vive em Belmonte – onde o seu era Presidente da Câmara e Comandante da Legião “Foi o pior ano da minha vida”. Depois Coimbra – liceu, Faculdade de Letras, Orfeão, Tuna Académica e, a seguir ao serviço militar em Mafra e às deambulações no ensino para ganhar a vida – tinha constituído família – Mangualde, Aljustrel, Lagos, Faro, Alcobaça (1955-1960), em 1961inicia uma nova fase com “Balada de Outono”. 
O mar, o Amor e a intervenção
Em 1961 está de novo em Faro a dar aulas; é o reencontro com o mar e encontro com o Amor, decisivos na sua obra poética e musical é personificado com o tema “Tenho Barco, tenho remos” (1962). Todavia, quando em 1964 troca a guitarra de Coimbra pela viola acústica, inicia uma nova fase no seu percurso musical e uma nova e decisiva fase na música portuguesa inovando-a; grava então o disco “Cantares de José Afonso” (que é logo proibido), fruto de uma profícua e longa colaboração iniciada com Rui Pato, então com 16 anos, aqui os temas “Menino do Bairro Negro” – aqui interpretado a duas vozes - e “Os vampiros” marcam o início da fase interventiva na sua obra musical, enquanto “Menina dos olhos tristes” (poema de Reinaldo Ferreira) constitui uma denúncia pungente da guerra colonial iniciada em 1961.













O encontro com a Alentejo e a «Grândola»
O segundo encontro com o Alentejo dá-se no dia 17 de Maio de 1964 (de que se assinalou recentemente 50 anos), quando, a convite do seu antigo companheiro de república, o encenador e amigo Hélder Costa actua na “Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense”. Aqui surge a inspiração para o hino – escrito três dias depois - e que dez anos depois é nacional e internacionalmente conhecido: “Grândola, Vila Morena”, hoje mais actual do que nunca. Este momento é assinalado com “Cantar alentejano”, referente a Catarina Eufémia, emocionando a assistência, que acompanha Francisco em coro.
Moçambique  e a consciência social e política
Mas este é o ano em que Zeca Afonso vai dar aulas para Moçambique, primeiro Lourenço Marques (actual Maputo) e entre 1965 e 1967 na Cidade da Beira. Terá então adquirido a mais elevada consciência social e política, tornando-se tornado claramente “persona non grata” para a ditadura, quando ao regressar vem residir para Setúbal. Deste período apresentamos “Carta a Miguel Djéjé”, a duas vozes, de inspiração e influência claramente africanas; e do período seguinte, quando a repressão aperta face a uma intensa actividade, quando o seu nome estava proibido nos jornais – e a censura foi furada quando a “Mosca” (Suplemento do “Diário de Lisboa”) publicou uma foto que eram duas – meia cara do Fanhais e meia do Zeca – que passou, mas deixou os censores furiosos e depois o Pedro Alvim escreveu a história de um homem que havia de ficar para a história: Acez Osnofa… “A morte saiu à rua”, dedicado à memória do pintor José Dias Coelho, assassinado pela PIDE, “Na Rua António Maria (este musicado pelo Naia) dedicado a Conceição Matos, presa pela PIDE, ou “Por trás daquela janela”, este dedicado a Alfredo Matos, preso em Caxias, ou ainda “Vejam bem”, ambos no contexto das prisões de que o próprio Zeca foi alvo, respectivamente em Outubro de 1971 e Abril de 73.
«Cantigas do Maio» e a génese da Nova Música Portuguesa”
A renovação da música portuguesa no Outono de 1971, com “Cantigas do Maio”, o lindíssimo tema homónimo de raiz popular - aqui interpretado a duas vozes, criando uma harmonia rara - que está na génese de Nova Música Portuguesa , em complemento com os discos então saídos de Sérgio Godinho, J. Mário Branco e Adriano Correia de Oliveira.
 “Era  um redondo vocábulo”, um dos mais intimistas dos cerca de 180 temas gravados pelo Zeca entre 1953 e 85, o seu encontro com Benedicto e com a Galiza, “A cidade”, o belo o poderoso poema de Ary dos Santos, neste concerto dedicado especialmente “aos (amigos presentes) músicos, poetas, jornalistas, artistas, autarcas, promotores da arte presente, que diariamente lutam pelo aprofundamento da democracia e pela dignidade do Alentejo”; e de Montemor estavam algumas amigas.
Antes da “Grândola” cantada duas vezes por mais de cem em uníssono, surgiu ainda, deslumbrante “Tu gitana”, do Cancioneiro de Vila Viçosa, do último álbum, “Galinhas do Mato”.
Despedimo-nos com:
Viva o 25 de Abril!
Viva o Alentejo!
“Foi bonita a festa, pá”…


Eduardo M. Raposo
eduardoepablo@gmail.com