bom, digamos que regressei com o calor, depois de longos seis meses de ausência...
e venho postar a crónica que deve estar a sair na edição, deste mês de Junho, na "Folha de Montemor", que quero partilhar com todos Vós ...
Zeca
Afonso na “Capela Sistina”
ou
de como a beleza da Poesia cantada comunga fraternidades
Momento sublime,
espectáculo magistral, assim se referia a público aqueles 90 minutos em que
numa das mais belas salas do país, público, cantores, músicos e apresentador,
unidos pela comunhão do belo na obra poética e musical de José Afonso, no
Teatro Garcia de Resende, Évora, no passado dia 31 de Maio, reafirmaram valores
de justiça, de fraternidade, de liberdade, de utopia inscritos na obra do génio
maior da Canção Popular Portuguesa. Que forma mais nobre de comemorar os 40
anos do 25 de Abril? Que forma mais nobre de reafirmar a absoluta vontade de
mais de cem almas unidas no desejo de Portugal retomar os caminhos de Abril?!
África
Depois das palavras
iniciais de apresentação, do espectáculo e dos intervenientes, entra a potente voz
de tenor de Francisco Naia que, tal como o vinho do Porto, atinge agora o seu
apogeu, hoje já septuagenário; e traz-nos “Epígrafe para a arte de furtar”,
poema de Jorge de Sena, que de forma tão bela o Zeca musicou quanto o Naia o
interpreta. E depois é o Zeca bebé, em Aveiro com as tias, a viagem para Angola
no navio “Mouzinho” onde conhece o “homem das barbas”, que o marca tanto como
“África [que] era uma coisa imensa, uma natureza inacessível que não tinha fim”.
Mas aos oito anos, “agora é Moçambique” - aonde só voltará 37 anos depois - ainda
que por pouco tempo, mas “(..) é de novo o paraíso”.
Em 1940 vive em
Belmonte – onde o seu era Presidente da Câmara e Comandante da Legião “Foi o
pior ano da minha vida”. Depois Coimbra – liceu, Faculdade de Letras, Orfeão,
Tuna Académica e, a seguir ao serviço militar em Mafra e às deambulações no
ensino para ganhar a vida – tinha constituído família – Mangualde, Aljustrel,
Lagos, Faro, Alcobaça (1955-1960), em 1961inicia uma nova fase com “Balada de
Outono”.
O mar, o Amor e a intervenção
Em 1961 está de novo em
Faro a dar aulas; é o reencontro com o mar e encontro com o Amor, decisivos na
sua obra poética e musical é personificado com o tema “Tenho Barco, tenho
remos” (1962). Todavia, quando em 1964 troca a guitarra de Coimbra pela viola
acústica, inicia uma nova fase no seu percurso musical e uma nova e decisiva
fase na música portuguesa inovando-a; grava então o disco “Cantares de José
Afonso” (que é logo proibido), fruto de uma profícua e longa colaboração
iniciada com Rui Pato, então com 16 anos, aqui os temas “Menino do Bairro
Negro” – aqui interpretado a duas vozes - e “Os vampiros” marcam o início da
fase interventiva na sua obra musical, enquanto “Menina dos olhos tristes” (poema
de Reinaldo Ferreira) constitui uma denúncia pungente da guerra colonial
iniciada em 1961.
O segundo encontro com
o Alentejo dá-se no dia 17 de Maio de 1964 (de que se assinalou recentemente 50
anos), quando, a convite do seu antigo companheiro de república, o encenador e
amigo Hélder Costa actua na “Sociedade Musical Fraternidade Operária
Grandolense”. Aqui surge a inspiração para o hino – escrito três dias depois -
e que dez anos depois é nacional e internacionalmente conhecido: “Grândola,
Vila Morena”, hoje mais actual do que nunca. Este momento é assinalado com
“Cantar alentejano”, referente a Catarina Eufémia, emocionando a assistência,
que acompanha Francisco em coro.
Moçambique e a consciência social e política
Mas este é o ano em que
Zeca Afonso vai dar aulas para Moçambique, primeiro Lourenço Marques (actual
Maputo) e entre 1965 e 1967 na Cidade da Beira. Terá então adquirido a mais
elevada consciência social e política, tornando-se tornado claramente “persona
non grata” para a ditadura, quando ao regressar vem residir para Setúbal. Deste
período apresentamos “Carta a Miguel Djéjé”, a duas vozes, de inspiração e
influência claramente africanas; e do período seguinte, quando a repressão
aperta face a uma intensa actividade, quando o seu nome estava proibido nos
jornais – e a censura foi furada quando a “Mosca” (Suplemento do “Diário de
Lisboa”) publicou uma foto que eram duas – meia cara do Fanhais e meia do Zeca
– que passou, mas deixou os censores furiosos e depois o Pedro Alvim escreveu a
história de um homem que havia de ficar para a história: Acez Osnofa… “A morte
saiu à rua”, dedicado à memória do pintor José Dias Coelho, assassinado pela PIDE,
“Na Rua António Maria (este musicado pelo Naia) dedicado a Conceição Matos,
presa pela PIDE, ou “Por trás daquela janela”, este dedicado a Alfredo Matos, preso
em Caxias, ou ainda “Vejam bem”, ambos no contexto das prisões de que o próprio
Zeca foi alvo, respectivamente em Outubro de 1971 e Abril de 73.
«Cantigas
do Maio» e a génese da Nova Música Portuguesa”
A renovação da música
portuguesa no Outono de 1971, com “Cantigas do Maio”, o lindíssimo tema
homónimo de raiz popular - aqui interpretado a duas vozes, criando uma harmonia
rara - que está na génese de Nova Música Portuguesa , em complemento com os
discos então saídos de Sérgio Godinho, J. Mário Branco e Adriano Correia de
Oliveira.
“Era um
redondo vocábulo”, um dos mais intimistas dos cerca de 180 temas gravados pelo
Zeca entre 1953 e 85, o seu encontro com Benedicto e com a Galiza, “A cidade”,
o belo o poderoso poema de Ary dos Santos, neste concerto dedicado
especialmente “aos (amigos presentes) músicos, poetas, jornalistas, artistas,
autarcas, promotores da arte presente, que diariamente lutam pelo
aprofundamento da democracia e pela dignidade do Alentejo”; e de Montemor
estavam algumas amigas.
Antes da “Grândola”
cantada duas vezes por mais de cem em uníssono, surgiu ainda, deslumbrante “Tu
gitana”, do Cancioneiro de Vila Viçosa, do último álbum, “Galinhas do Mato”.
Despedimo-nos com:
Viva o 25 de Abril!
Viva o Alentejo!
Eduardo M. Raposo
eduardoepablo@gmail.com
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