Depois de um longo, longo interregno, voltamos hoje à partilha com os bloguistas que por aqui passam. E voltamos, com a publicação de algumas das mais recentes crónicas "saídas" no mensário Folha de Montemor, na rúbrica "À soleira da porta" - nome, aliás, já usado na rúbrica que, entre 2000 e 2004 assinámos na Revista Alentejana.
É o caso desta peça sobre dois nomes de referência da lusofonia: José Ignácio Lula da Silva e Manuel Carvalho da Silva.
Nos
148 anos de DN
Lula
entrevistado por Carvalho da Silva
“A
força de Portugal não pode ser subestimada”
O Diário de
Notícias, o mais antigo órgão que existe
na imprensa portuguesa, foi fundado há 148 anos, mais precisamente no
dia 29 de Dezembro de 1864, por Eduardo Coelho, em plena Monarquia
Constitucional, no início do reinado de D. Luís – D. Carlos tinha um ano e a
sua mãe, D. Maria Pia, chegara de Itália dois anos antes.
O DN, conheceu
assim o declínio e o fim da monarquia, os conturbados e decisivos 16 anos da
República, a desastrosa ditadura militar – quando o país entrou em bancarrota
–e o retrocesso arrogante e tacanho do salazarismo e finalmente a democracia,
que é hoje brutalmente atacada e posta em causa. No dia do aniversário, Manuel Carvalho da
Silva foi convidado para dirigir a edição especial. Carvalho da Silva, sobre
este importante jornal e enquanto director convidado, no final do editorial deixa o “apelo”: Que na voragem demolidora desta “crise” não
se destrua ou enfraqueça este jornal, que é claramente património nacional.
DN-JOVEM
–REFERÊNCIA DECISIVA PARA OS ENTÃO NOVOS AUTORES
A este grande jornal sinto uma ligação sentimental,
pois foi o primeiro jornal nacional, ou de referência como se diz actualmente,
onde colaborei – em meados de 80, entre os 20 e os 25 anos, no saudoso DN-Jovem, naquele tempo em que ainda não
se usava computador e se batia o texto numa velha máquina de escrever. Este foi
seguramente o mais memorável suplemento
de colaboração juvenil do jornalismo português do Portugal democrático: por
aqui passaram muitos jovens e adolescentes, autores em início de percurso,
alguns deles hoje, nomes decisivos da literatura e do jornalismo e não só. José
Luís Peixoto, José Eduardo Agualusa, Pedro Mexia, José Riço Direitinho, José
Mário Silva, Possidónio Cachapa, ou Luís Graça, José Carlos Barros, António
Souto, António Manuel Venda, Luís Milheiro, Rodrigo Francisco que tenho vindo a
reencontrar ao longo dos anos, ou amigos desde então como o pintor Luís
Filipe Gomes.
Depois de uma
passagem breve pelo mensário Juventude,
como redactor, e colaborador permanente no Setubalense
e pontuais participaçõpes noutros jornais de Setúbal, foi no DN-Juvem, que enquanto jornalista, embora colaborador - com
fotógrafo e motorista quando necessário -, fiz algumas das primeiras grandes
peças da minha vida: recordo duas: uma reportagem a um espectáculo que Jorge
Listopad encenava na Torre de Belém e uma das quatro páginas, se não estou em erro,
de que o suplemento dispunha, para uma entrevista ao dramaturgo Romeu Correia,
em 1987, então homenageado em Almada.
Não esqueço as primeiras vezes que entrei emocionado no
esplendoroso edifício do DN, assim como os primeiros encontros com Manuel Dias, o esse Homem com H grande, que esteve tantos anos por
detrás deste suplemento literário juvenil - e que justamente Jorge Sampaio,
então Presidente da República, distinguiu em 5 de Outubro de 2004, com a Ordem
de Mérito; e depois, já da
casa, tive acesso ao imenso arquivo fotográfico e as diversas vezes que o Manel
Dias – era assim que o tratávamos - me pediu para o ajudar na selecção dos
textos e fotos e desenhos que chegavam de todo o país. O DN– Jovem e o DN enquanto o jornal pai ( ou mãe?) faz parte de um momento decisivo minha vida, do
meu crescimento enquanto jornalista e cidadão e jovem tolerante e com sede de
infinito; é com muita emoção que recordo aqui esse tempo de há 25 - 30 anos,
quando a terça-feira, dia da saída do suplemento, era esperada com ansiedade.
Voltando ao tema da crónica de hoje, vejamos como João
Marcelino, o director do DN
apresentou o seu homólogo por um dia:
“Manuel Carvalho da Silva é um homem de esquerda, sindicalista, foi militante do Partido Comunista. As suas ideias são conhecidas há muito tempo em Portugal. Num período de retrocesso das conquistas sociais e de um empobrecimento que também visou pagar desmandos nunca devidamente deslindados pela Justiça, e oriundos da acção de pessoas pertencentes às mesmas famílias políticas que agora os procuram resolver, foi um prazer colocar esta edição nas mãos de um cidadão sério, socialmente interventivo e que advoga caminhos diferentes para a solução dos problemas nacionais.”
O
entrevistado, Lula da Silva, nasceu há 67 anos em Caetés, Pernambuco. De uma
família de 8 irmãos começou a trabalhar aos sete anos mas continuou na escola
até aos 14. Foi metalúrgico, onde ganhou fama como sindicalista. Em 1980 fundou
o Partido dos Trabalhadores e foi eleito deputado em 1986. Após três derrotas
consecutivas foi eleito Presidente do Brasil em 2003, saindo em 2011, após dois
mandatos e tendo conseguido eleger a sua sucessora, Dilma Rousself. Casado com
Marisa Letícia, tem cinco filhos e nos últimos tempos, para além de ter conseguido
ultrapassar com sucesso um cancro da laringe – que o obrigou a um retiro de
seis meses da vida pública – tem-se dedicado à fundação com o seu nome.
UM EX-PRESIDENTE ENTREVISTADO POR UM
POSSÍVELPRESIDENTE
Nesta entrevista o ex-presidente brasileiro diz não
ter dúvidas de que a crise foi gerada pelo descontrole do sistema financeiro e
lamenta que até agora os líderes mundiais só tenham combatido os efeitos e não
as causas.
“A crise que muitos países estão vivendo, e que
acaba afectando, de uma forma ou de outra, a todas as nações, é exactamente a
crise do neoliberalismo. Ela é a demonstração prática da insensatez neoliberal.
A desregulamentação absoluta das finanças é um dos principais dogmas do chamado
”Consenso de Washington”. A atrofia do Estado democrático, com a transferência
do poder político para o mercado, é outro. Sem regras e sem fiscalização, os
especuladores podem tudo, mas quando quebram quem paga a conta é a sociedade.
Um dos paradoxos da crise actual é que muitos pretendem combatê-la com a mesma
lógica que a provocou.”
Mostrando-se solidário com o povo português na
defesa das conquistas sociais, face às políticas de austeridade, a recessão
generalizada e o desemprego que afectam Portugal e a Europa, “ (…) Quero dizer
às forças progressistas de Portugal que não desanimem, não percam a esperança,
estejam sempre, como estão hoje, lado a lado com os trabalhadores e a maioria
da população” Lula da Silva advoga que muitos países emergentes, como o Brasil,
“(…) estão demonstrando que é possível combinar rigor fiscal com políticas de
crescimento, criação de empregos e protecção sócia. O Presidente Obama lançou
um conjunto de medidas para fomentar a economia e o emprego nos Estados Unidos.”
Lula defende o fortalecimento da União Europeia “(…) por ser património democrático da
humanidade”. Mas acrescenta que “(…) ela é inseparável do Estado de bem-estar
social. Não acredito, sinceramente, que ela tenha um futuro duradouro sem ele.
O Estado do bem-estar, como é natural, pode ser reformado, actualizado,
modernizado. Mas não pode ser extinto. O destino da União Europeia, com o alto
padrão civilizacional que alcançou, interessa a todos os países do mundo.”
Acrescentando
que o seu Brasil tem uma palavra a dizer no mundo, destaca o dinamismo
económico e social antevendo-lhes um “maior protagonismo político regional e
global nas próximas décadas”, num contexto em que a CPLP e a Ibero-América são
espaços que já cumprem importantes funções culturais e geopolítica mas “(…)
poderiam ir além. Somados, os países que integram esses espaços têm uma força
significativa. Poderiam cumprir um papel pró-ativo a favor da retomada do
crescimento e da reforma da ordem económica e política mundial.”
Lula da Silva, que Carvalho da Silva considera “um
dos mais extraordinários intérpretes da saber profundo do ser humano comum.
Diametralmente oposto à postura do Presidente da República portuguesa, que tem
um défice grande na interpretação, de estar, de perceber e de transmitir a
realidade objectiva da vida e dos anseios das pessoas,” Lula defende que o
espaço reservado a Portugal nestas duas realidades (CPLP e Ibero-América) “é
potencialmente muito grande. A força de Portugal não pode ser subestimada devido às
dificuldades conjunturais (…)” inegável dimensão política, nível educacional e
técnico, o facto de pertencer à União Europeia e, consequentemente “as
perspectivas comerciais e de investimento
muito relevantes para todos os países ibero-americanos e africanos que
forem parceiros efectivos de Portugal”, rematando
“ A crise não deve impedir-nos de pensar e agir – estrategicamente.”
Duas grandes figuras do mundo lusófono. Cada um, à
sua maneira, souberam pôr a sua sabedoria, humanismo e capacidade de liderança
ao serviço dos respectivos povos. O Brasil, sob a liderança de Lula superou a
crise, desenvolveu-se económica, cultural e socialmente afirmando-se como
potência mundial ao mesmo tempo que reforçava claramente o Estado social.
Esperamos que num futuro não muito distante, salvaguardadas as diversidades de
ambos os países, possamos dizer algo de semelhante de Carvalho da Silva e de
Portugal. Seria o caminho adequado para salvar, e quiçá reforçar o Portugal de
Abril. Isso, obviamente, só acontecerá com o apoio claro de todos os defensores
da democracia e da Liberdade. “Acordai!”….